23 outubro, 2019

O 6º Aniversário da minha União de Freguesias... e o "Melhor de Millôr" - (2)


E como o prometido é devido, cá vai um extracto da peça:

«Quando esta história se inicia já se passaram quinhentos anos, tal a lentidão com que ela é narrada. Estão sentadas à beira de uma estrada três tartarugas jovens, com 800 anos cada uma, uma tartaruga velha com 1.200 anos, e uma tartaruga bem pequenininha ainda, com apenas 85 anos. As cinco tartarugas estão sentadas, dizia eu. E dizia-o muito bem pois elas estão sentadas mesmo. Vinte e oito anos depois do começo desta história a tartaruga mais velha abriu a boca e disse:

- Que tal se fizéssemos alguma coisa para quebrar a monotonia dessa vida?

- Formidável - disse a tartaruguinha mais nova 12 depois - vamos fazer um pique-nique?

Vinte e cinco anos depois as tartarugas se decidiram a realizar o pique-nique. Quarenta anos depois, tendo comprado algumas dezenas de latas de sardinha e várias dúzias de refrigerante, elas partiram. Oitenta anos depois chegaram a um lugar mais ou menos aconselhável para um pique-nique.

- Ah - disse a tartaruguinha, 8 anos depois - excelente local este!

Sete anos depois todas as tartarugas tinham concordado. Quinze anos se passaram e, rapidamente elas tinham arrumado tudo para o convescote. Mas, súbito, três anos depois, elas perceberam que faltava o abridor de latas para as sardinhas.

Discutiram e, ao fim de vinte anos, chegaram à conclusão de que a tartaruga menor devia ir buscar o abridor de latas.

- Está bem - concordou a tartaruguinha três anos depois - mas só vou se vocês prometerem que não tocam em nada enquanto eu não voltar.

Dois anos depois as tartarugas concordaram imediatamente que não tocariam em nada, nem no pão nem nos doces. E a tartaruguinha partiu.

Passaram-se cinqüenta anos e a tartaruga não apareceu. As outras continuavam esperando. Mais 17 anos e nada. Mais 8 anos e nada ainda. Afinal uma das tartaruguinhas murmurou:

- Ela está demorando muito. Vamos comer alguma coisa enquanto ela não vem?

As outras concordaram, rapidamente, dois anos depois. E esperaram mais 17 anos. Aí outra tartaruga disse:

- Já estou com muita fome. Vamos comer só um pedacinho de doce que ela nem notará.

As outras tartarugas hesitaram um pouco mas, 15 anos depois, acharam que deviam esperar pela outra. E se passou mais um século nessa espera. Afinal a tartaruga mais velha não pôde mesmo e disse:

- Ora, vamos comer mesmo só uns docinhos enquanto ela não vem.

Como um raio as tartarugas caíram sobre os doces seis meses depois. E justamente quando iam morder o doce ouviram um barulho no mato por detrás delas e a tartaruguinha mais jovem apareceu:

- Ah, murmurou ela - eu sabia, eu sabia que vocês não cumpririam o prometido e por isso fiquei escondida atrás da árvore. Agora não vou buscar mais o abridor, pronto!

Fim (30 anos depois).» 
Millôr, no seu melhor

 

7 comentários:

  1. Desconfiança justificada
    não tem demora nem é maçada.

    Mas, isto, é o melhor de Millor Fernandes:

    Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não pôde resistir e exclamou: " Mas como, seu marido não morreu há cinco anos?" "Sim, é verdade" — respondeu então a outra, cheia daquela compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — "mas eu não".

    MORAL: Não morre a passarada quando morre um pássaro.


    Brincadeirinha, porque o melhor mesmo do grande Millôr, foi o seu Poema Matemático, que já publiquei faz tempo, no meu canto, e causou grande divertimento a muito boa gente.
    Lembra-se?

    Um abraço, Rogéio. :)

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  2. Coitadas, bem podiam morrer à fome.
    Abraço

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  3. Janita,
    Tratando-se de uma peça
    e seu melhor
    de Millôr
    não entrando nela
    como poderia eu
    que sou eleito
    falar dela?

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  4. Elvira
    entre o momento em que uma tartaruga diz ter fome
    e o momento em que come
    passa-se um século durante o qual muita gente morre...

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  5. Pois é... é uma verdadeira alegoria da procrastinação, esta peça de Millôr.

    Abraço

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  6. Pode ser contado para simbolizar tanta coisa...

    Daqueles textos que vai, muito provavelmente, ser sempre atual... (sorrisos)

    Abraço

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  7. E assim vamos devagar, devagarinho,quase parados!

    Abraço

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