12 janeiro, 2016

À Natália, não lhe escapava nada


MARCELO E AS TÁGIDES

Marcelo, em cupidez municipal
de coroar-se com louros alfacinhas,
atira-se valoroso - ó bacanal!
ao leito húmido das Tágides daninhas.
Para conquistar as Musas de Camões
lança a este, Marcelo, um desafio:
Jogou-se ao verso o épico? Ilusões!...
Bate-o Marcelo que se joga ao rio.
E em eleitorais estrofes destemidas,
do autárquico sonho, o nadador
diz que curara as ninfas poluídas
com o milagre do seu corpo em flor.
Outros prodígios - dizem - congemina:
ir aos bairros da lata e ali, sem medo,
dormir para os limpar da vil vérmina
e triunfal ficar cheio de pulguedo.
Por fim, rumo ao céu, novo Gusmão
de asa delta a fazer de passarola,
sobrevoa Lisboa o passarão
e perde a pena que é de galinhola.

NATÁLIA CORREIA
in INÉDITOS 1979/91 
POESIA COMPLETA

12 comentários:

  1. Agora mudou de táctica. Anda pelos lares da Terceira Idade, come sandocha. Um deboche para quem não tem que comer. Demagogia dura e crua.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. Que o voo seja raso!

    A Natália era/é muito especial!

    Beijinhos, Rogério. :)

    ResponderEliminar
  3. Não sou grande fã da escrita de Natália - muito erudita para o comum dos portugueses a entenderem bem - mas certo é que ela era imbatível nestes poemas irónicos... :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. ...muito erudita para o comum dos portugueses?
      às vezes!
      Como neste poema se demonstra

      Do sentimento trágico da vida

      Não há revolta no homem
      que se revolta calçado.
      O que nele se revolta
      é apenas um bocado
      que dentro fica agarrado
      à tábua da teoria.

      Aquilo que nele mente
      e parte em filosofia
      é porventura a semente
      do fruto que nele nasce
      e a sede não lhe alivia.

      Revolta é ter-se nascido
      sem descobrir o sentido
      do que nos há-de matar.

      Rebeldia é o que põe
      na nossa mão um punhal
      para vibrar naquela morte
      que nos mata devagar.

      E só depois de informado
      só depois de esclarecido
      rebelde nu e deitado
      ironia de saber
      o que só então se sabe
      e não se pode contar.

      Natália Correia

      Eliminar
  4. o que eles fazem...o que se submetem...até faz impressão.
    :(

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esta gente
      é repelente!

      Vamos ver
      depois da queda
      que o povo lhe reserva
      com que garganta
      se levanta

      até fará impressão

      Eliminar
  5. Da mestra, o poema. Do mestre, a partilha!
    Obrigado!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem falsa modéstia
      acho que poeta é o que escreve versos
      poeta é, também, quem sabe escolhe-los

      Obrigado, eu

      Eliminar
  6. Mas onde é que o meu amigo descobriu esta preciosidade ? :)
    Grande Natália !

    Beijinho grato

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por vezes procuro.
      Outras vezes são estas pérolas a encontrarem-me...

      Sem dúvida, Fê, grande Natália!

      Eliminar