No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós
O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome
foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom,
que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a
bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde
aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência,
com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo,
astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade,
orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo
de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou
seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o
ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura
popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa
singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o
regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província
é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso
imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo,
tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia, na
Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que
esse colectivo é hoje o puro vazio.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
O bonitinho, o rodriguinho de país. Tudo a terminar em "inho"! Muito nos deixamos espezinhar...
ResponderEliminar(Dizer que Vergílio é extraordinário é pouco, muito pouco)
Beijinhos, Rogério :)
" humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade." Vergílio dá-nos uma boa imagem do que somos... e nisso foi mais do que extraordinário!
EliminarO que faz de alguns escritores, grandes escritores é a intemporalidade das suas obras. A actualidade das suas ideias, das suas escritas. E é também através deles que temos a noção da estagnação do país.
ResponderEliminarAbraço
É verdade... mas... nós também somos os escritores que temos (e tivemos)!
EliminarGosto de ler Virgílio Ferreira pela beleza da sua escrita e pensamento claro e sempre actual.
ResponderEliminarNão se perdeu a alma do POVO.
Perderam-se as almas dos Políticos, Padres, Juízes, Banqueiros.../...
Luís,
Eliminarantes de escrever o seu artigo
Vergílio deveria ter falado, primeiro, contigo
Além de escrever qual foi a sua contribuição cívica para melhorar um pouco esta triste realidade? Como muitos outros intelectuais limitou-se a observar e criticar; é fácil!
ResponderEliminarCid,
EliminarSei que baixei a bitola do meu grau de exigência... mas no que se refere à participação cívica, ao compromisso político, ao efeito catalisador para a mudança, ao semear da esperança, é fraco o panorama dado pelos homens da escrita... Vergílio caracterizou bem uma realidade da qual guardou distância cautelosa.
Aceitemos que a culpa não será tanto dele mas muito mais nossa!
Os 'intelectuais' guardam sempre "distância cautelosa" para não se comprometerem, por cobardia.
ResponderEliminarPoucos, muito poucos, fazem intervenção cívica. E menos ainda tomam partido...
EliminarEnquanto o comboio passa ficam alguns nos belos apeadeiros
ResponderEliminarAbençoado o comboio
EliminarBendito carril
Mas há quem faça de rodas
Passaram mesmo 100 anos ?
ResponderEliminarUm beijinho e bom fim de semana amigo Rogério
Fê
Sem anos...
EliminarUm beijinho
A intervenção também passa - e muito - pela escrita. Ou pela canção. Ou pela pintura. Pela Arte no todo. E nisso VF foi exímio!!
ResponderEliminarGostei do excerto escolhido.
Bom fim de semana!
Gostar, gostar, gosto mais da "Estrela" (as folhas fotocopiadas que maravilharam a minha filha) mas este texto dá mais o tipo do descomprometido de que fala o Cid... e, nisso, também VF foi exímio
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