"Sim, julgo às vezes, considerando a diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empresta a própria inteligência astral, e que depois, talvez com pena, mas por uma lei mais alta, nos abandona, como as mães animais às crias crescidas… " - (Bernardo Soares)
"E dizer que, quando formos grandes, talvez sejamos tão estúpidos quanto eles!" - (A Guerra dos Botões)
Beijou o rafeiro, do senhor engenheiro, como a mãe o beijava a ele...
O rafeiro continuou a abanar a cauda, satisfeito com a chegada do menino. O senhor engenheiro, deu um sorvo apressado no galão claro e guardou o bolo de arroz para o fim. A Teresa, a Gaby e a Ana, fizeram um ó de exclamação enquanto a Zita não escondia a contrariedade em ter o grupo inesperadamente alargado pelo recém-chegado. - "Tu, aqui?" e inquiria imperativa esperando a resposta - "Foi o pai que me trouxe. Ele disse-me que eu ia ver que tu não tinhas nada que fazer e bem podias tomar conta de mim". A Zita não disse nada porque sua cara dizia tudo. A Teresa pôs água na fervura e desviou a conversa "Está bonito, o teu filho". Outra também atalhou - "Está tão querido..." A Ana, chamou-o e ele timidamente se aproximou para que ela o acariciasse. Zita continuava irada. "Senta-te aí e nem piu" e o miúdo, esquivo à ternura da Ana, meio se sentou pois mal chegava à cadeira que entretanto a mãe arrastara para o seu lado. "Porque não anda ele na escola?" perguntou uma delas. E a conversa deambulou por aí, com a Zita a contar os intensos passos e cunhas para arranjar lugar nas escolas das redondezas. "Deve entrar em Setembro, mas o meu pai teve de aceitar ser ele o encarregado da educação, por causa da morada. A minha não dá para o aceitarem..."- "Olha filha, eu tive que manter a minha residência de solteira para ter acesso ao Centro de Saúde, daqui..." Entretanto o miúdo, desinteressara-se da conversa e abandonara a cadeira para vir ter comigo. - "Posso lhe fazer uma festinha?" e apontava o cão, que voltou a abanar a cauda como a dar seu próprio consentimento. - "O cão é deste senhor, dessa mesa ao lado" - "Posso fazer uma festinha?" interrogou ele quase implorado enquanto o rafeiro se ia levantando. - "Depende... De que clube és?" inquiriu o senhor engenheiro. - "Do Sporting!" mas perante a careta de desaprovação do dono do cão, emendou "Ás vezes também sou do Benfica!"
- "Se passares a ser sempre do glorioso, deixo-te brincar com o meu cão", o miúdo fez jura de ir cumprir e passar a ser daquele outro clube obtendo o consentimento imediato e necessário. Agarrou carinhosamente o pescoço do cão e beijou-o como a mãe o costumava beijar a ele próprio. Na mesa da mãe a conversa continuava com elogios ao Isaltino. O cão saturara-se do menino e este de acariciar o cão. O engenheiro começou o bolo de arroz, que ia partindo aos bocados esperando pelo pombo e pelo negro melro. "Queres brincar comigo?" Perguntou-me o menino. "Vamos lá!" e levantei-me sem se que quer lhe perguntar o tema da brincadeira. Corremos atrás dos pássaros estragando a manhã ao engenheiro. Na mesa, ficara o jornal, aberto na página onde estava o artigo que me tinha interessado. Lê-lo-ia, passado um bocado...
Bom texto com uma boa mensagem muito pedagógica, a meu gosto - "só brincas com o cão se fores do Benfica!".
ResponderEliminarEstou a bricar, mas gosto disto.
Abraço
Exceptuando o azedume da Zita, contrariada com a chegada do filho, uma criança tão querida e tão bonita, este episódio deixou-me com um sorriso de orelha a orelha! Uma delícia...
ResponderEliminarFez bem em deixar a noticía do Público para ler mais tarde e ir brincar com o menino. :)
Afinal as férias grandes estão à porta, os miúdos vão poder descansar da carga lectiva ( uma realidade que comprovo pelo meu neto) e os professores recuperar a tranquilidade.
Aguardo a continuação com interesse redobrado.
Beijos
abraço, meu caro.
ResponderEliminarque as crianças cresçam em harmonia.
bela narrativa. cheia de cor.
Cativante este "jeito" de contar.Lamentável, mas real, o contado.
ResponderEliminar"Um grande vazio" Um artigo que me interessou. Os professores competentes, e são muitos, se ainda não estão doentes, estão exaustos.
A exaustão é inimiga de um desempenho à altura das responsabilidades, nesta tão nobre profissão.
Pais desinteressados, professores cansados... Pobres crianças!
Um beijo
Até me parece o começo de outro livro :)
ResponderEliminar2ªFeira... volto para mais :)
Bjos
Rogério,
ResponderEliminarTive que ler várias vezes para apanhar a ideia que deixas em título. De facto, as pequenas mentiras processuais para se atingirem os objectivos, os elogios ao Isaltino, que creio ser o presidente da câmara que escapou à prisão a cedência da criança à chantagem desse personagem que designas por engenheiro, são exemplos de uma falta de ética que nos atormenta a todos mas que todos só o reconhecem nos que a usam no exercício do poder. É um excelente texto a exigir reflexão.
Um beijinho
Maiuka
Belo escrito o teu.
ResponderEliminarAs crianças são o melhor do mundo.
E quem delas gosta, também...
Têm pessoas que se perdem em dores tão pequenas que não percebem a beleza em sua volta. Sem dúvidas, o artigo no jornal poderia ficar para depois.
ResponderEliminarEsperto o garoto! Como ele soube dizer ao sinhor inginheiro que às vezes também era do Benfica...
ResponderEliminarExcelente Rogério. Li e reli. O que está explicito e o que tão facilmente se detecta implícito. É para ler com atenção, seguir os personagens, os pequenos mas tão grandes pormenores que nos conduzem facilmente ao título. Excelente para reflectir. Que muitos leiam e o façam... meditem! Olhem as crianças, eduquem-nas... por actos, não por palavras.
ResponderEliminarBeijinhos
Susana
Graça,
ResponderEliminarA esperteza a que achou graça é a esperteza que me entristece, pois é sintoma de que a criança já se adaptou à chantagem, estúpida, dos adultos... Tenho reparado (estas conversas não são totalmente inventadas) que, na sua ingenuidade, as crianças tendem a utilizar argumentos (e a repeti-los) por estímulo dos adultos... é isso é, no caso vertente, deseducação. Reagir assim à chantagem, começa por uma troca de clube, mais tarde por uma troca de opinião, ao sabor da força de "quem tem o cão"...
Que as crianças nos perdoem!!
ResponderEliminarEmbora não saiba se conseguirão...
Um bom dia
Também concordo contigo...até certo ponto pois depende muito das idades em que isto acontece, e se quem tem estas atitudes para com a criança é presença constante na vida da mesma ou se é apenas o vizinho no café de baixo. Interessa pois que no seu dia a dia seja educada, como diz a Susana Maurício, com actos e é em casa e, onde vai passar a maior parte do seu tempo, na escola que é importante isso acontecer! Acho sempre bom fazer-nos pensar neste assunto para que amanhã estejamos num mundo melhor, com melhores seres humanos. Beijinhos
ResponderEliminarpara as crianças nao há rafeiros de engenheiros ou rafeiros de pedintes, , els beijam qualquer um desde que gostem
ResponderEliminarkis .=) com esta idade ( a das crianças) nao se manifestam sintomas e pedantismo de chiquismo
kis .=)
Bom post e boa história, muito real.
ResponderEliminarPor trás de cada aluno, uma pessoa, educada, a maior parte das vezes, no acaso.
Os comentários provam, mais uma vez, como as percepções são diferentes de pessoa para pessoa.
Fico à espera da continuação, da sua narrativa, dos resultados do estudo sobre o burnout nos professores e do dia de amanhã.
Um abraço.
Tem razão! Mas este é um mundo cão onde se "safam" os mais espertos. Também não concordo com essa esperteza, mas´que se há de fazer?!
ResponderEliminarBeijinhos (afinal o seu comentário não é nada avinagrado...)