|
...ergo o copo. O olhar semicerrado indicia que estou embriagado, não sei se com a vida se com a bebida. |
"A memória das palavras ou o gosto de falar de mim", fazem com que me mostre, em imagens e pelo verbo. E porque a memória das palavras as ligo aos actos, não tenho das memórias retidas o fel da vida passada. Diria que foi, até aqui, uma vida... avinagrada com "interregnos para coisas belas". Fosse eu poeta, então sim, teria o azedume de um Camões, de um Pessoa, de um Cesário Verde, de um Bocage, de um Torga, de um Eugénio de Andrade, de uma Sophia, de um José Gomes Ferreira e preparar-me-ia para dedicar as minhas memórias,
como fez António Gedeão, aos netos dos meus netos, com aquele azedume, descrença e quase certeza, de que não serão as próximas gerações as que descobrirão o segredo da vida para a tornar menos sofrida. Nem pensar conseguir ter o azedume da vida que antecipa a morte, como aconteceu a quem disse que "Ser poeta é ser mais alto, é ser maior."
E nem prescindo de falar da minha vida amorosa, num rasgar de intimidade que muitos me segredam ser excessivo. Falo (tenho falado) da minha relação com os netos, com as filhas, com os genros, com a sogra, com o senhor engenheiro e do seu cão rafeiro, que passaram recentemente a fazer parte da família...
Ela, que me comentou, chegou e tão depressa veio assim se foi. Bateu com a porta e saiu. Saiu sem azedume mas com raiva, sem deixar, contudo, de me soltar uma última palavra: "Que seja feliz". Agradecido ergo o copo. o olhar semicerrado indicia que estou embriagado, não sei se com a vida se com a bebida. Talvez com a bebida, pois a felicidade é...:
«Eu não gosto de falar de felicidade, mas sim de harmonia: viver em harmonia com a nossa própria consciência, com o nosso meio envolvente, com a pessoa de quem se gosta, com os amigos. A harmonia é compatível com a indignação e a luta; a felicidade não, a felicidade é egoísta.»
Volte sempre, minha amiga.