21 outubro, 2016

A entrevista de Passos, a mão que dança e um texto para ser lido na "Aula Magna"

Passos é um desmiolado, felizmente apeado e (hoje) já sem espaço. Desmiolado pois lhe falta a memória, aquela que a mim me sobra. Por isso lembro um texto antigo onde falo de uma mão que dança (e que não me sai da lembrança).

É este, reeditado:
"...Os gestos úteis e rápidos da mão mergulhados na máquina não são danças - por muito que, ao longe, se assemelhem; de facto, os dedos na fábrica são necessários (são os dedos da necessidade) e bem diferentes são dos dedos inúteis de quem dança. Mão necessária e mão desnecessária em termos funcionais. Só os olhos de quem vê é que precisam da mão que dança. Porque essa mão não faz nada, só se mostra."
Gonçalo M. Tavares, in Noticias Magazine

O engenheiro estava a conversar com o seu cão rafeiro à falta de ter com quem conversar. Quando cheguei não interrompeu logo aquela conversa que tinha como resposta orelhas espetadas e abanar de cauda. Um cumprimento de leve aceno e lá continuou deixando que eu bebesse o café e desse uma olhada pelo jornal. Depois avançou:
- Então? Hoje o puzzle foi de fácil resolução? "Mão necessária e mão desnecessária"... mais directo, não?
- Sim, um pouco! Permite uma leitura, e eu fiz a minha!
- Qual?
- A leitura de ser a mão que pertence ao corpo que dança a mais visível e a mais mostrada! A outra, a mão necessária, mesmo quando se olha não se vê. O que não se mostra não existe. O Marcelo também o disse. Mas dá para pensar que não existe mesmo. Não existem dedos que se metam na máquina. Ou melhor, deixaram de existir máquinas onde se metam os dedos. Eu próprio o disse, e mais: disse ser eu o responsável por isso.
- Lembro-me desse escrito. Perfeita a sua ironia... foram todas aquelas empresas? A lista é tremenda: Siderurgia Nacional; SAPEC; MAGUE; Companhia Portuguesa do Cobre; MJO; Fundição de Oeiras; a Reguladora; a IPETEX; a J.B. Corsino; a Companhia Portuguesa de Trefilaria; a Sociedade Portuguesa dos Sabões?
- Foram todas essas e mais aquelas que agora nos dariam jeito ter para lá meter a mão...
- Por exemplo?
- A Sorefame; a Equimetal; a Metalsines... também nessas os dedos rápidos deixaram de mergulhar nas máquinas... Se quisermos fazer andar os comboios temos que ir ter com mãos necessárias aos alemães, enquanto as nossas dançam... e são mostradas.
- E aquela alusão à família?
- "Uma família é estável quando se contabilizam as energias internas e se percebe que não há cortes de energia entre pais e irmãos, entre a avó e a sua lenta cadeira de baloiço." Refere-se a esta? 
- Refiro-me a essa, exactamente!
- As mãos necessárias aos alemães são as mãos que partiram daqui, percebo que só faz sentido que o Gonçalo nos queira dizer que se está perdendo a estabilidade da família e que a contabilidade da energia interna dos afectos está sendo cortada...
- E aquela alusão às facas? 
- É um aviso, uma ameaça velada, um apelo à violência perante o risco do retrocesso!
- Quer então dizer que o escrito de hoje mais parecia um discurso para ser lido na sessão da "Aula Magna"? Nem sei como viu tudo isso no escrito...
- Cada um vai buscar a uma metáfora o que consegue extrair dela...
- Mas o Gonçalo podia ser mais claro...
- Podia ser mais claro! Acaba por dar inteira impunidade à mão que dança!

3 comentários:

  1. ... também me quer parecer que o engenheiro tenha subscrito a impunidade da "mão que dança", na medida em que a demasiada clareza pode juntar às nossas mãos inutilizadas os nossos "cérebros para enfeitar"...
    Aqui, no que acabo de escrever, parece-me ser claríssimo que os "cérebros para enfeitar", constantemente privados da sua função natural, tal como as mãos, não sejam o que mais nos convém...

    (esta foi a minha leitura imediata)

    Abraço!

    Maria João

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  2. No caso prefiro a mão em punho erguido

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  3. Estou a voltar à tona depois duma cirurgia do caraças... mas tenho reparado que o dito cujo, nas suas aparições televisivas, mostra sinais de desespero, de descoordenação motora - as mãos e a face denunciam um nervoso miudinho.
    Será que a corda da marionete se está a acabar.

    Abraço, Rogério.

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