(reeditado)
«A caminho da igreja iam pequenos grupos de mulheres e crianças,
um ou outro velho e raramente um homem mais novo. O sino
voltou a tocar, repicado e a miudagem exultava e ria com a
pequena melodia que o sino fazia. No local do costume, as prostitutas
aglomeravam-se, recatadas e vestidas com panos de cores,
achava eu, menos garridas. O furriel Alma Sacrista deu pelo meu
ir e esboçou primeiro alguma admiração, depois um sorriso prazenteiro,
como se tivesse ele arrebanhado mais um cordeiro para
aquele rebanho de Deus. Já a mais de meio caminho, juntou-se o
«Meia-Cuca» à minha passada que, por isso, ficou esta mais curta
e propícia à retoma da respiração normal do menino e ao deixar
de arfar pela corrida que tinha tido para me apanhar.
«
Olá», disse-lhe. «
Também vens à missa? Sabes que missa é, e
que
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O "Meia-Cuca" e o seu sorriso... |
dia é hoje?»
«
O dia e essa missa és dus corpu dus Déus!»
Fiquei admirado por ele saber pois, mais do que suspeita, tinha
a certeza de não ter frequentado escola ou catequese.
«
E tu sabes o que é o Corpo de Deus?»
O «Meia-Cuca» levou quatro ou cinco passos a responder:
«
Us Corpu dus Déus é us corpu dus padre que vem tocar nus
sino para falar à gente cuns palavra cagente num intende.»
Ri e ele não se admirou pois eu ria sempre que ele falava.
Entrámos e pouco tempo levou isso a fazer a todos os que se
reuniram para ali estar. Mesmo fazendo um esforço de memória
não me lembro da homilia, pois apenas estava atento a se falaria
da guerra, ou da guerrilha, ou do povo raptado, ou do contratado.
Como não falasse nada do que eu esperava ouvir, perdi a concentração
tal como as prostitutas que passados os primeiros minutos
de ouvir latim ensaiaram risinhos e gargalhadas, trocando olhares
lascivos e concupiscentes com os seus esperados clientes. Estes,
sérios e compenetrados na missa, pareceram incomodados com a
acústica que ampliavam as risadas das suas prestadoras de serviços
carnais. A dado passo, soaram cânticos correspondidos por
um terço das vozes. Foi a parte de maior concentração e à qual
reconheci beleza.
A missa continuou até acabar, com o «Meia-Cuca» já desesperado
por ter de estar todo o tempo sossegado.
«Gostaste?» A resposta foi imediata como se estivesse esperando
a pergunta:
«Esta festa num presta. Us mulher que vai nu cantar num pode
dançar, us miúdo num pode corer, us homi num bebe e nu há
batucada. Porqui num toca o sino cando us mulher canta?»