Jorge de Sena - 10 de Junho de 1977 |
"...Com efeito, em 1978, cumprem-se trinta anos sobre a
primeira vez que, de público me ocupei de Camões, iniciando o que, sem
vaidade me permito dizê-lo, tem sido uma contínua campanha para dar a
Portugal um Camões autêntico e inteiramente diferente do que tinham
feito dele: um Camões profundo, um Camões dramático e dividido, um
Camões subversivo e revolucionário, em tudo um homem do nosso tempo, que
poderia juntar-se ao espírito da Revolução de Abril de 1974, e ao mesmo
tempo sofrer em si mesmo as angústias e as dúvidas do homem moderno que
não obedece a nada nem a ninguém senão à sua própria consciência. Esse
meu Camões foi longamente o riso dos eruditos e dos doutos, de qualquer
cor ou feitio; foi a indignação do nacionalismo fascista, dentro e fora
das universidades, dentro e fora de Portugal; foi a aflição inquieta do
catolicismo estreito e tradicional, dentro e fora de Portugal; e foi a
desconfiança suspeitosa de muita gente de esquerda, a quem eu oferecia
um Camões que deveria ser o deles, quando eles preferiam atacar ou
desculpar o Camões dos outros. Foi e ainda é, e será. Porque, sendo
Camões o maior escritor da nossa língua que é uma das seis grandes
línguas do mundo e um dos maiores poetas que esse mundo alguma vez
produziu (ainda que esse mundo, na sua maioria, mesmo no Ocidente, o não
saiba), ele é uma pedra de toque para portugueses, e porque tentar
vê-lo como ele foi e não como as pessoas quiserem ou querem que ele
seja, é um escândalo. São essa pedra de toque e esse escândalo o que,
neste momento solene, a três anos de distância do 4o. Centenário da
morte do maior português de todos os tempos, vos trago aqui, certo e
seguro de que ele mesmo assim o desejaria. E, antes de mais, peço que,
nas minhas palavras anteriores ou nas minhas palavras seguintes, ninguém
veja ataques ou referências pessoais que não há; tenhamos todos, tenham
todos a humildade de reconhecer que, quando se fala de Camões e de
Portugal, não podemos pensar em mais ninguém..."
(continuar a ler o discurso de Jorge de Sena)
_________________ Agradecimento: Agradeço a Fernando Paulouro Neves a descoberta desta pérola
AMANHÃ EDITAREI EXTRATO DO DISCURSO DE VIRGÍLIO FERREIRA
Isto, sim! São discursos que dão gosto recordar.
ResponderEliminarVou ficar a aguardar os restantes.
Neste tempo havia vontade e determinação em emendar o rumo errado que, todavia, ainda não foi emendado.
Um abraço.
~
ResponderEliminar~ Jorge de Sena proferiu monumentais declarações, veementemente arrebatadas, que ficaram na história da literatura.
~ Enaltecendo o 25 de Abril, sem conseguir entender-se com a classe política emergente que atacou empolgadamente, com a mesma eloquência de sempre.
~ Passaria férias em Portugal em 1977-- um ano antes da sua morte prematura que todos lamentamos.
~ ~ ~ Uma boa semana. ~ ~ ~
ResponderEliminarSempre, os grandes vultos nas diversas áreas artísticas foram alvo de "apropriação" dos Poderes instalados e Camões não escapou ao "aproveitamento", pelos Republicanos, pela Igreja, pelo Estado Novo, que quis fazer dele um ícone seu quando, na verdade, o Poeta só a ele próprio foi fiel.
Um beijo
O discurso de Sena tem conteúdo ao contrário das vacuidades que por aí agora se debitam.
ResponderEliminarCamões , para mim, sempre foi um dos maiores escritores de sempre, mesmo a nível mundial.
A sua poesia lírica tem poemas lindissimos e "Os Lusíadas" bem mereciam melhor sorte do que se estudar as diversas funções de um malfadado "que" numa qualquer frase...e que fazia toda a gente nem querer ouvir falar na obra!!
Eu só o li nas férias grandes a seguir ao ano em que me martirizaram com a análise gramarical, sem sequer se preocuparem em nos fazer sentir a beleza poética da escrita de Camões.
Em consequência e, por estupidez, Camões foi abolido do ensino pós - Abril 1974, como se fosse responsável pela utilização que o Estado Novo fizera dele.
Abraços
Já não se fazem discursos destes...CAMÕES o maior épico português e, não sei se de todo o mundo... foi trocado pela dona Troika que trás no seu séquito, as damas austeridade e desemprego!
ResponderEliminarCAMÕES? Quem é esse? Algum sem abrigo e desempregado..que se inscreva no fundo do desemprego...
Cada vez estou mais desiludida com o meu país...
Abraço e bom fds
Graça
o País de nome é o mesmo, os discursos é que mudam.
ResponderEliminar:(
Memória viva
ResponderEliminarRealmente é uma pérola este texto e este discurso.
ResponderEliminar"Ignorar ou renegar Camões não é só renegar o Portugal a que pertencemos, tal como ele foi, gostemos ou não da história dele. É renegarmos a nossa mesma humanidade na mais alta e pura expressão que ela alguma vez assumiu.
Já não há Homens assim!
beijinho
Outros tempos, outras gentes!
ResponderEliminarAbraço
Outros tempos, outras gentes!
ResponderEliminarAbraço
Camões que nem RSI usufruiu foi violentado ao sabor das necessidades do poder. Os homens com vistas curtas sempre ajeitaram a verdade às suas conveniências extirpando medos de subversão.
ResponderEliminarJorge de Sena, português de têmpera rija, se cá viesse, agora, desancava muita gente que anda por aí.
Já me não recordava deste episódio
que terá escandalizado muito ouvido.