Vergílio Ferreira - 10 de Junho de 1977 |
"Decerto que não é o mando
que está no nosso horizonte - e ainda bem; mas não deve estar também a
submissão. E se tal submissão é evidente, quando ao nosso destino o
detêm mãos alheias, é já menos evidente quando se obscurece a
consciência de que o temos, o devemos ter, nas nossas mãos. Porque o não
perdemos apenas quando de facto o perdemos, mas ainda quando nos
perdemos dele e nele deixamos de nos reencontrar. Não deixa de ser nosso
apenas quando ele é já de outrem, mas ainda quando não o reconhecemos
para o assumir e continuar. Porque esquecermo-nos de nós é correr o
risco de que outros nos encontrem ... (...) O mínimo que de nós
podemos exigir é assim a sensatez. Parecerá um pouco excessivo, talvez,
misturar o nome puro do grande poeta [Camões] à perturbação por que
passamos. Porque ela desenvolve-se não apenas ou não bem numa dimensão
de idealidade ou de grandeza, mas numa esfera do elementar. É mesmo
grave, decerto, ou um pouco despropositado que, esquecidos do elementar,
pensemos apenas no que o transcende, que, esquecidos do mais urgente, nos fixemos no que o excede, ainda que a isso julguemos mais importante.
É grave assim que a um problema imediatamente económico, nós
sobreponhamos um problema de ideologia. Determinados por esquemas
ideológicos, enquistados nos termos de uma doutrinação, valorizando
acima de tudo a nossa paixão política, ou seja a paixão de nós - porque a
política, ou certa política, contra o que possa parecer, é uma paixão
solitária - nós recusamo-nos muitas vezes, ou quase sempre, a pensar no
que lhe subjaz, nós recusamo-nos a considerar o que a excede, nós
recusamo-nos sobretudo a admitir o seu erro, ainda que a realidade a
desminta. Como os medievos em face de Aristóteles, se os factos põem em
causa a nossa doutrina, tudo podemos admitir, excepto que esteja errada.
Porque o que está em causa somos nós. E nós, obviamente, somos exactos
como um axioma ..." (15-16)
Vergílio Ferreira "Da Ausência, Camões"
"O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos - é não termos já mesmo perguntas."
ResponderEliminarVergílio Ferreira
beijinho
Fê