Chico, para mim foi "senha". Quem leu meu livro não estranha.
«...Ia de não sei onde para lado nenhum, fardado com a farda do Exército português, com a boina de cavalaria a ocupar-me as mãos. Passeava apenas, adiando o sono. Atravessei um denso jardim e, ao longe, oiço o dedilhar de uma guitarra em acordes indecisos. Fui andando nesse sentido. À medida que avançava a melodia se ia construindo e o som ganhava nitidez. Mesmo antes de a voz aparecer, reconheci a composição de Chico Buarque.
Depois a voz deu-me a canção que quase sempre trazia no coração e que frequentemente me vinha à mente em dias em que acordava com canções dentro de mim.
Aproximei-me sem qualquer cuidado em reservar sinais da minha presença e fiquei surpreso à paragem brusca do cantar. Reagi retomando o verso interrompido: «Esperando, esperando, esperando, esperando o sol, esperando o trem, esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem…» Sorri para o grupo. O que cantava, mulato muito claro estendeu-me a mão sorridente e julgo que aliviado. Os outros dois, um negro, o outro branco, acolheram-me assim também dessa maneira. Não falámos e o mulato claro retomou a canção até todas as vozes que ali estavam se juntarem num coro com o sotaque devido...»*
Desse livro, continuando a ler a mesma página, estava ali, naquele encontro, a tal "Jangada", o sonho da bacia cultural atlântica a realizar-se mesmo antes de Saramago a ter escrito:
«...O resto foram mais canções e prolongada cavaqueira sobre a cultura brasileira, a negritude, a miscigenação, a guerra colonial, a escravidão, a alma deles e a minha. Falámos da minha alma lusa, do meu coração celta e do meu sangue mouro. Foi nessa noite, onde as canções romperam as couraças que protegem o pensamento perseguido e a filosofia proscrita, que se geraram laços de amizade e cumplicidade que me iriam abrir a porta a outras relações, entrando na intimidade da cidade.»*
E falando em bandeira, não desligo a canção, de então, desta...
Para mim, sempre foi bandeira. Pedro Pedreiro, não conhecia...
ResponderEliminarBela homenagem no seu aniversário!
ResponderEliminarEu escolhi "Construção" para colocar no facebook!
Abraço
~
ResponderEliminar~ Esqueci dizer que gostei deste pedacinho do seu livro.
~ Coloquei-o na minha lista, será que vou encontrá-lo?
~ ~ ~ Um bom e feliz Verão, Rogério. ~ ~ ~
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMuito bom este Chico! Muito bom até a escrever romances.
ResponderEliminarNós, por cá, continuamos a «ver a banda passar»... calominhos, sossegadinhos, carneirinhos...
Gosto muito desta:
ResponderEliminarTanto mar
Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim.
Chico Buarque
Um beijo
"Quando nasci veio um anjo safado
ResponderEliminarO chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim ! "
Chico Buarque
Um Homem, que sempre será uma referência, de luta, de coragem e de talento.
beijinho