01 novembro, 2016

Depois do dia D, dia de outra letra... L (e que não esqueça)

  imagem: Serge Marshennikov


 
  «Nunca mais servirei senhor que possa morrer.»
Sophia

uma imagem [pre]sentida a percorrer as veias
um pescador de anzóis, um peixe em sobressalto
a pular do azulejo para a água.
a boca seca. um mar de escamas lançado no lavatório
o sabonete a destilar inquietas sugestões.
lá fora, longe, teus braços…
chegarão a tempo teus braços de me salvar?
chuva, dedos frios desenham corpos invisíveis
que desfilam no declive deste universo
de paredes espessas e altas e surdas.

desvias do deserto o pensar
o gato cata cacos nos brilhos quebrados
do jarro que era da avó. o gato escorraçado.
que faz o gato ainda nesse lugar onde o bolor engorda?
quanto a ti
gostava de te ver, confesso,
à hora de um outro relógio noutro céu denso de azul
que, em se pousando os olhos,
outros vértices, outras faces, outras orações.
gostava de te ver, se ver-te fosse saber-te eu.
inverso a este reflexo no espelho, contraditório
em simetrias sucessivas. um pescador de anzóis,
um peixe embrulhado em verdes algas
inundando de alucinações líquidas o rio
(dizem que a vida é um rio), como se fosse a vida
culpada da rigidez da pedra no meio da água,
a pedra que o rio não deixa de violentar. A pedra
que enfrenta a corrente e não, não cede.
fosses pedra e meus braços seriam em ti foz
e seríamos tu e eu sem fim, unos
imóveis, insensíveis…

e insensatos para todo o "nunca mais".

13 comentários:

  1. Um presente inesperado!... :)
    Muito grata, Rogério.

    Bj.

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    1. Que sorte
      tua e minha
      que os poetas de bom recorte
      não tenham nascido no mesmo dia

      eu é que agradeço teres nascido

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    2. Parabéns, Lídia! Duplo, pelo aniversário e pelo magnífico poema, segue o meu forte abraço de parabéns! <3

      Maria João

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  2. Belíssimo poema.
    Duplos parabéns à Lídia Borges. Pelo seu aniversário e pelo inspirado poema.
    Abraço para os dois e obrigado pela partilha.

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  3. Chama-se ao que aqui se lê uma construção poética, elaborada, séria e, claro, a puxar pelos cordelinhos das emoções!

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  4. A minha ligação está atroz, hoje, não sei se o duplo abraço que deixei em resposta ao primeiro comentário da Lídia, ficou ou não...

    A este poema vejo-o traduzindo uma reflexão que fosse saindo dela e viesse esculpir-se neste/nesse ecrã, para mim, papel... para mim que sou rio e quase mar...

    Abraço!


    Maria João

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  5. Sempre atentos os amigos
    Bjs para a Lídia
    poeta que estimo

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    1. ...e a propósito de atentos, ó meu amigo
      quando é que te edito?

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  6. Um poema que me arrepiou.
    Só lamento não ter saber para decifrar as emoções que ele me despertou.
    Bem-haja, Lídia Borges e muitos parabéns!

    Obrigada Rogério por esta partilha.

    Beijinhos para ambos

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    1. Não há saber que as decifre
      pois as emoções sentem-se
      sem que se ajuíze
      sobre tal sentir

      Que melhor adjectivo
      que esse teu sentido arrepio

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