19 novembro, 2016

Os deprimidos - Parte I

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Miguel não estava atrasado. Tinha todo o tempo se o soubesse bem planear. Pegou no seu TelLog e verificou onde se  situava a maior fila de espera, se no supermercado se nos postos de carregamento ali à volta. Tinha o seu veículo eléctrico com pouca carga e as tomadas existentes no condomínio não lhe mereciam confiança...
Enquanto bebia uma chávena de leite morno, programou-se, iria primeiro ao posto de carregamento 48, tinha aí disponibilidade dentro de meia hora. Reservou 15 minutos de carga. Reservou também uma maço de cigarros e um café, no quiosque local.
Enquanto bebia o leite, olhava a praceta deserta e em redor, nos prédios à volta, ninguém se assomava à janela. Um preocupação lhe tomou por momentos os pensamentos "E se o bairro atingir o nível limite de habitantes deprimidos?" Já acontecera em outros bairros e, nesses lugares, todos os dispositivos de domótica integrada foram desligados e todos os serviços públicos, desde a recolha de resíduos sólidos à entrega de encomendas, passaram a ter os drones desactivados (aos deprimidos era vedado o acesso aos avanços da tecnologia).
Voltou ao quarto e espreitou Bruna, que dormia. Olho-a enlevado, depois saiu, sem a acordar. Deixou-lhe uma mensagem no seu TelCom "Já venho. Bj."

À saída da porta, dispensou  o uso da manga telescópica e da passadeira rolante que o poderia levar ao carro. Estava um dia soalheiro, apetecia-lhe andar um pouco e ainda tinha presente o que há tempos acontecera ao ficar encarcerado na manga umas horas pois o deprimido encarregue da reparação da avaria tinha entrado em depressão elevada e levou tempo a encontrar um substituto.

Chegado ao posto accionou a encomenda, encostando o seu TelLog ao sensor e, de pronto, um braço robotizado pegou no cabo enquanto o outro braço dava acesso ao ponto de carregamento. Verificou no visor se a encomenda correspondia ao encomendado e premiu a tecla "OK".

Dirigiu-se ao quiosque encostou o seu TelLog à célula local e respondeu-lhe ao gesto uma voz metálica "Recolha os seus cigarros e o seu
café. Obrigada por dar preferência ao nosso posto"

No supermercado, apenas uma contrariedade: a reposição da prateleira 2453 não tinha funcionado pelo que o artigo pedido não estava disponível. O deprimido que tinha essa missão entrou em elevada depressão, como lhe informava o visor.
Anulou esse item na encomenda e o carro robotizado percorreu o supermercado abastecendo um a um todos os itens da encomenda. Após conferir, premiu a tecla "OK" no TelLog, e a tal voz metálica lhe agradeceu, com "Volte sempre!" perguntando de seguida "Pretende entrega via drone?" Negou clicando na tecla adequada, pegou no saco e saiu.

A caminho, o TelCom anunciaria no modo alta voz.
"Últimas noticias:  o INFARMED acaba de licenciar medicamento que permite prolongar o estado de depressão dos níveis 1 e 2, passando estes indivíduos a terem uma vida útil de cerca de 20 anos" 
"Boa!" pensou Miguel. Chegado a casa encontrou Bruna já levantada mas muito pálida.
- "Que tens?"
- "Passei a manhã a vomitar. Sabes? Acho que estou grávida!" Miguel ficou radiante. Era a segunda boa notícia do dia. Beijo-a com ternura e afagou-lhe o ventre.

3 comentários:

  1. ... estás a fazer-me recordar Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo, mas dissecas bem mais pormenorizadamente - pelo menos assim me pareceu, neste primeiro capítulo... - as características dos teus personagens...


    Maria João

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  2. Um mundo de ficção para o qual a humanidade me parece caminhar.

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  3. Para já captou a minha atenção, visualizei todos os cenários e estou preparada para a continuação :)

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