30 julho, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 8 (direito ao SPA)

(Ler conversa anterior)
«Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.» 
Lygia Fagundes Telles
.
De regresso à esplanada, tomei consciência 
de que tinha sido sentida a minha ausência 

Primeiro chegaram elas, uma a uma, e todas, à medida que iam chegando, me sorriram. Nunca recebi tanto sorriso. Depois chegou o senhor engenheiro, o seu cão rafeiro, o melro e o pombo, por esta ordem, pois o cão, pela primeira vez, vinha atrás do dono. O melro e o pombo, por norma, chegavam sempre depois dos dois. Pareceu-me que todos, de certo modo, me cumprimentaram, sem contudo soltarem uma única palavra a sublinhar o acto. O cumprimento mais efusivo foi o do cão que se veio roçar nas pernas, farejando-me os pés, agitando a cauda, visivelmente satisfeito com o meu regresso. Como é possível formar-se uma comunidade sem outros laços que não sejam a troca de olhares e, agora, de sorrisos e rosnanços mansos? 
Entre elas, logo a conversa começou. A Teresa colocou o DN em cima da mesa. A Zita pegou no suplemento, uma revista, e provocou o grupo:  "Vocês queriam era estar aqui", o mostrava a capa onde se viam, à beira de uma borbulhante piscina, uma espreguiçadeira de madeira e uma mesa de apoio com uma toalha enrolada. "Saúde e bem-estar", lia-se, sob o titulo do magazine "Negócios". A Gaby, respondeu com os olhos postos no Tejo, que se via através duma nesga da folhagem. 
- "Ó filha, eu gosto é de mar... metida entre quatro paredes?, nem mesmo com todas essas comodidades.... nesses ambientes só se encontram velhos..." 
- "E que mais querias tu senão um velho rico, meio afanado e prestes a bater a bota?..."
- "Essas coisas custam uma nota..."
- "Não é o que diz aqui, queres que te leia?" E passou a ler: "Hoje em dia é possível conseguir ter acesso a tratamentos de spa de marcas de topo a preços perfeitamente acessíveis"
- "Dá para deduzir no IRS? Caso não, esquece... E depois, precisava de estar doente..."
- "Andas sempre stressada... e isso é uma doença que se combate com relaxe, num bom resort..."
Desliguei-me da conversa e passei os olhos pelos títulos da referida revista que acompanhava o meu jornal, que era igual. Não li nenhum artigo, nem mesmo o de Maria de Belém Roseira que falava sobre "A saúde e o turismo de saúde em Portugal" e ao que parece, do pouco lido, que tal negócio era o que nos safava se para tal tivéssemos golpe de asa. 
Concentrei-me no jornal e detive-me na noticia "42% dos portugueses sem dinheiro para a Saúde"(*), embrenhei-me na sua leitura ainda com o pensamento disperso e uma frase a moer-me a mente: todos deveríamos ter direito a um bom spa
Depois de ler e por tudo o que ali se passou concluí que a loucura atingiu níveis incontroláveis...

(*) O link refere noticia idêntica, publicada no "Económico"

8 comentários:

  1. Há artigos de suplementos ou mesmo dos jornais que me tiram do sério!
    Mas se calhar estão a escrever para gente que existe mesmo! :-))

    Abraço

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  2. Antes de mais, renovo os votos de um bom regresso.
    Quanto aos artigos da imprensa revisteira suplementar, aprimoram-se para se equipararem à silly season. Nenhum editor percebeu que este ano, com a crise, nem a silly season temos direito?

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  3. É antiga a máxima que diz: "De médico e de louco todos têm um pouco". Na medida certa (e qual seria??) a loucura é uma boa explicação e uma ótima desculpa!
    Beijo.

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  4. Se me tivessem dito, há uma década atrás, que a saúde se degradaria e este ponto, eu teria respondido com toda a convição que os portugueses de hoje não são os mesmos que suportaram uma ditadura, durante 48 anos.

    Agora não estou tão certa disso.

    Lídia

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  5. E a notícia só se refere à conta dos medicamentos. Ora "saúde" é um campo muito mais vasto, se formos por aí a percentagem aumenta de forma geométrica...A propósito, nessas suas leituras se descobrir algumas termas a preço de saldo diga-me, o meu reumático agradece :)))

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  6. Caro Rogério
    Lembrou-me uma anedota:

    Um dia um internado no Julio de Matos aproximou-se do gradeamento e chamou um trauseunte que passava na rua, perguntado-lhe: olhe lá! estão aí muitos dentro?
    Fico por aqui.
    Abraço
    Rodrigo

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  7. Chega a roçar a indecência.
    Isto vai de mal a pior...
    Beijinho, Rogério

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