«Há muitos anos a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… O poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá não estão, – os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país, e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus carácteres e às suas famílias.
Os outros, os que não estão no poder são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, os interesses do país e a pátria.
Mas, cousa notável!
Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros – os verdadeiros liberais – entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e de amargura – a vir ser os verdadeiros liberais e os interesses do país.
Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do país…
Não há nenhum que não tenha sido demitido ou obrigado a pedir demissão pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis…
Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas, – pela imprensa, pela palavra dos oradores, pela acusação da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador…
E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o país neste caminho em que ele vai, feliz, coberto de luz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, num choito triunfante!»
Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, As Farpas, Junho de 1871
Texto retirado ao Bulimundo
O Eça e o Ramalho sabiam bem que um dia viria alguém para nos "salvar".
ResponderEliminarBem hajam!
Não estou a gostar de nada disto!
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ResponderEliminar"Mas, cousa notável!"
240 anos depois e o mesmo. Só pode ser genético!
Beijo
Laura
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderEliminarreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
A nomeada troika nacional
ResponderEliminarÉ "genético", é... vêm todos das mesmíssimas famílias...
ResponderEliminarCuriosíssima, a actualidade de Eça e Ramalho Ortigão... e a prontidão de quem nela reparou, claro.
Abraço!
Que cozinhado vem a ser este?!
ResponderEliminarCheira-me a esturro!
ResponderEliminar"As Farpas"!... Ainda assim mansas pois não alteraram o estado das coisas, tanta água passada sob a ponte. Ou será que o defeito é mesmo dos homens, independentemente das épocas?
Um beijo
Estamos bem entregues. Aos bichos.
ResponderEliminarDeve ser macumba...
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