27 fevereiro, 2019

A palavra ao meu patrono... e à Armanian


Depois de dar a palavra ao meu patrono, acho que Nazanín Armanian também a merece.
E merece porquê?
Basta que não apareça nem em jornais, nem na TV.
E o que diz (escreve) a Nazanin?
Diz entre outras coisas, uma coisa assim:
Só os ingénuos podem acreditar que um tal Donald Trump, os criminosos de guerra como John Bolton e Elliott Abrams, ou que Bruxelas se dediquem a trabalhar em prol das classes mais desfavorecidas da Venezuela.
E diz mais...

Não participamos no que para nós não é ajuda humanitária“, diz o chefe da Cruz Vermelha Colombiana, testemunha direta do que realmente está a acontecer.

Enquanto descarrega algumas toneladas de “ajuda” na fronteira venezuelana, Trump reduz drasticamente a contribuição dos EUA para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) de 300 milhões para 60 milhões, deixando numa situação extremamente desumana os 5,3 milhões de pessoas condenadas à miséria pelo colonialismo israelita. Os governos dos EUA apoiaram não só o corte de eletricidade e água em Gaza, mas também a morte de um povo desarmado – incluindo milhares de crianças – entregando armas a Israel e vetando todas e cada uma das resoluções de condenação da ONU. Gaza está à beira da catástrofe.
No Iémen, milhões de pessoas vivem a pior crise humanitária do mundo, causada pela coligação EUA-Arábia Saudita, que continua a bombardear o país desde 2015, e que também bloqueou os portos iemenitas, impedindo a entrada de alimentos, medicamentos, combustível e ajuda humanitária a 20 milhões de pessoas. Não lhes treme as mãos ao lançarem mísseis até mesmo sobre os campos de refugiados. Setenta por cento da população necessita urgentemente de ajuda humanitária, 7 milhões estão a passar fome e milhares já morreram de cólera. Claro que acabar com o conflito é mau para os negócios.
No Sudão do Sul, entre 2014 e 2018, segundo a ONU, pelo menos 400 mil pessoas morreram em consequência da violência, da fome e da crise humanitária. E ninguém derramou uma única lágrima por eles.
No Iraque, entre 1991 e 2003, os bombardeamentos sobre o país foram acompanhados de um embargo que mataram 2 milhões de pessoas, o embargo mais criminoso da história, porque não passava de “danos colaterais” na realização dos objetivos supremos.
Quais são os verdadeiros objetivos dos EUA?
  • Criar opiniões favoráveis ao governo impopular de Donald Trump.
  • Lavar o rosto de uma oposição já questionada pelas suas ligações com a CIA.
  • Desviar a atenção dos verdadeiros responsáveis pela crise, apresentando-os como salvadores.
  • Demonizar o Presidente Maduro (como foi feito com Saddam Hussein, Milosevic ou Kadhafi) como cruel e impiedoso que mata o seu próprio povo, enquanto os EUA e a Europa se recusam a impor uma punição mínima a alguns aliados que mais parecem um bando de criminosos do que um governo.
Os verdadeiros propósitos de Washington para a Venezuela não são outros senão geopolíticos e económicos. Em caso negativo, quando é que provocar um estado de guerra contra uma nação acabou com o seu sofrimento?
A arma das “preocupações humanitárias”
A Responsabilidade de Proteger (“R2P”), formulada pela ONU em 2005 que outorga à “comunidade internacional” o direito de intervir num país para proteger os seus habitantes do genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e graves violações dos direitos humanos, tem sido o pretexto para as agressões militares dos EUA e seus aliados com o objetivo real de consolidar a hegemonia das elites militaristas euro-americanas no mundo. Ou será que algum Estado do Sul ousará enviar tropas para França em apoio dos coletes amarelos e derrubar um Macron por má governação? Ou já alguém pensou que o Tribunal Penal Internacional vai julgar o “Trio dos Açores” ou os reis que assassinaram o jornalista Khashoggi?
Washington normalizou seu domínio sobre outras nações em nome de sua “excepcionalidade”, que lhe permite sequestrar pessoas de outros países e prendê-las em prisões ilegais, porém públicas, submetendo-as à mais brutal tortura com total impunidade.
Neste de negócio redondo chamado “guerra”, arrasaram a Líbia, a primeira reserva de petróleo da África, para “salvar o seu povo do ditador”, tornando-a o primeiro laboratório mundial de escravidão e barbárie.
Na Síria, usaram o corpo do pequeno Alan Kurdi para manipular os nobres sentimentos de empatia das boas pessoas e justificar uma intervenção militar. Depois, não conseguindo os seus objetivos, e com o objetivo de se livrarem de milhares de refugiados, inventaram a farsa dos “violadores ingratos” na Alemanha, e subornaram Tayyeb Erdogan para admitir “os retornos”: tratava-se de dezenas de milhares de vidas destroçadas, corpos massacrados.
Iam ao Afeganistão para libertar as mulheres da burca e bombardeiam o país há 18 anos, matando pelo menos um milhão de pessoas e obrigando milhões de pessoas a abandonar as suas casas: as mulheres estão agora em pior situação do que há 45 anos.
O direito das pessoas a receberem ajuda em situações de catástrofe é uma questão política e deve ser canalizado através de instituições internacionais com critérios éticos. O dever das forças progressistas é impedir que a direita mais bélica continue a monopolizar esta bandeira.
Texto original disponível aqui

A autora: Nazanín Armanian (1961-), é uma escritora e politóloga iraniana exilada em Espanha desde 1983. Licenciou-se em Ciências Políticas pela Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED), onde lecionou de 2009 a 2013. De 2007 a 2012 foi também professora de questões islâmicas de cursos complementares da Universidade de Barcelona. Em 2015 ministra a cadeira de Relações Internacionais na UNED. É tradutora oficial de persa/farsi para espanhol. A sua área de investigação é o mundo islâmico, o islão político, a geopolítica do Médio Oriente e Norte de África e os direitos das mulheres. Colabora em diversos meios de comunicação espanhóis e mantém uma coluna semanal no blog Punto y Seguido do diário Público.

1 comentário:

  1. Gostei de ler, pois desconhecia a autora e é bom saber que a lucidez ainda existe.
    Beijo

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