Grandes e pequenas ausências reforçaram o meu amor por Lisboa. Amor e respeito, com laivos de orgulho mas também de cúmplice e envergonhado desencanto. Cidade que desperta tão desencontradas emoções nos meus regressos merece ter melhor sorte e ser por todos bem amada e respeitada. Onde ela vos possa envergonhar, façam como eu, façam um esforço por mudar. As cidades, antes de serem pedra, são gente, são civilização.
A minha maior ausência durou 2 anos. Entre 1969 e 1971, forçado a ir à guerra, reforcei lembranças e recordações de lugares da minha cidade. Quem por cá ficou não se deu conta das mudanças. Eu dei e senti-as profundas neste meu regresso. Cantava-se Ary dos Santos, as mulheres vestiam calças e saia curta, falava-se mais abertamente e respirava-se outro ar e outra esperança. Eu também tinha mudado. Passei a dar mais atenção aos pormenores de tudo o que determina o carácter das pessoas, o seu comportamento e relações e, assim, também a sua cidadania. Residindo em Benfica, dei por mim a revisitar as ruas do Alto do Pina, a Paiva Couceiro, a Fonte Luminosa, Praça de Londres e Avenida de Roma. Esses lugares tinham permanecido quase iguais mas senti-os diferentes, avizinhava-se um Abril Novo, que chegaria pouco tempo depois. A minha cidade tinha-o adivinhado…
O respeito e orgulho por Lisboa tem as suas datas. A forma como acolheu e integrou milhares de retornados das ex-colónias. A forma em como reconverteu bairros de barracas e zonas degradadas. A forma em como reconverteu a zona do Parque Expo e organizou este certame. A forma em como lida com a integração de milhares de cidadãos com outras culturas e religiões e que procuram em Lisboa um melhor futuro (uma escola, nas Olaias, integra alunos de 28 etnias!). A forma em como acolhe turistas.
Tem sido nas pequenas ausências que mais insistentemente me ocorre se vale a pena trazer para Lisboa o que de melhor percebo noutras paragens. Curiosamente nunca pensei em trazer nada de Paris, S. Paulo ou do Rio de Janeiro, cidades de que gostei à minha maneira (talvez por não ter penetrado na sua intimidade). Apaixonado por África, nunca pensei em trazer de Luanda ou do Maputo o pôr-do-sol que por lá faz. Contudo, traria de bom grado: de Barcelona e Hannover os seus invejáveis transportes públicos; de Tilburg, as suas escolas e universidades; de Nice, a iluminação cuidada dos monumentos; de Alger ou Annabá, as laranjeiras das suas verdes avenidas…
E era tão fácil plantar laranjeiras em Lisboa, ou replanta-las onde as têm tirado. Dariam ainda mais autenticidade ao seu passado mouro…
Lisboa seria melhor ainda, se tivesse
Como Alger, laranjeiras nas avenidas
Como Barcelona, transportes públicos eficientes
Escolas públicas como em Tilburg
Museus e igrejas, bem conservados e iluminados, como em Nice
Mas não é por não ter (ainda) tudo isto que deixo de amar Lisboa....
PS - Este post, sendo a resposta a um desafio de um amigo
lá do rochedo é, também, uma sugestão à Câmara Municipal de Lisboa