29 julho, 2011

Poemas na praia (escritos para mim) - IX

Está traçado o caminho para o grito (imagens de Edvard Munch 1863-1944)

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Bertolt Brecht (1898-1956

9 comentários:

  1. Bertolt Brecht sabia o que dizia. Mas eu preciso mesmo de rir para esquecer a imbecilidade que paira no ar. É a maneira que eu próprio arranjei para sobreviver no meio deste mundo cão.

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  2. Rogério,
    não acha que Brecht na sua infinita sapiência, inclusivé sobre ideais marxistas, se esqueceu da alternativa de repartir com quem tinha fome e sede, metade daquilo que comia e bebia?
    Digo eu, que sou uma leiga em teorias filosóficas e relações humanas, bem como em muitos outros temas, obviamente.
    No entanto se penso, logo existo e se existo porquê não dizer o que penso?

    Não creio alguma vez ter visto este blog ter usado de qualquer tipo de discriminação, pois não?

    Muito menos da máxima "quem não é por mim é contra mim..."

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  3. Caro Rogério
    Este poema é um verdadeiro "murro no estômago" Preparo-me para jantar no melhor restaurante do mundo (o meu alpendre) tenho na gelador uma garrafa de um bom verde de Ponte da Barca. O jantar vai ser um mexilhão 1/2 concha da Nova Zelandia. A leitura deste poema faz-me pensar se mereço este jantar. Não tenho duvidas que sim. Mas quantos outros por esse mundo fora mereciam isto e muito mais e não têm.
    É este tipo de poesia que gosto. Que nos diz coisas. Que nos faz pensar em coisas e sobretudo que nos faz sentir que não podemos consentir que isto seja um destino traçado. É isto que não nos permite viver conformados... Não "porra"! Não tem que ser assim!
    Abraço

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  4. O que mais admiro nele é a capacidade de despir a palavra de adornos, de deixá-la "nua" a fazer-nos pensar para além do óbvio.

    Um beijo

    L.B.

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  5. Meu amigo, este poema de certeza também me foi dedicado.

    Estou de partida mas vou sentir falta do seu beiral.

    Beijinhos e até Setembro.

    Fique bem!

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  6. Muito duro este Brecht, mas (infelzmente) muito certeiro!

    "Um murro no estômago"? Onde é que eu já ouvi isto?!...

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  7. O LOL hoje está mole:
    vai rir para esquecer
    Estou fazendo isso, a beber... com três pedras de gelo. Segundo Brecht, não deveria merece-lo...

    Janita,
    Descriminação? Não...
    Nunca... até porque percorro amigos por todo o lado e...nunca fui discriminado. Tenho a obrigação moral (e ideológica) de pagar na mesma moeda...
    Quanto ao que pergunta... Apetece responder com a resposta do Folha Seca... mas sempre lhe digo, como quem pergunta. Pode, quem gere o Banco Alimentar, dizer as compras de quem deixou o saco? Pode continuar seu trabalho sem insónia lendo Brecht?

    Lídia e Fê
    Está, bem!... Pronto! É isso que lhe aponto: verdade nua e de toda a gente... (que sente...)

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  8. Sempre achei que ser infeliz e negativista, e a saida mais facil, afinal ser feliz e que da trabalho

    Adoro O grito

    Beijos
    Paula

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  9. Rogério, hoje estou por aqui, a ler seus últimos posts. Perdoe a demora. Eu tento visitar a todos, mas enrolada nos compromissos profissionais vivo em dívida com meus queridos visitantes.

    Decidi deixar aqui, nesse post, o meu comentário porque, confesso, nunca resisti ao Brecht e seu modo direto. Esse texto nos coloca de frente para o incômodo de viver;... para o choque entre a consciência e o "verso" da ação.

    Um beijo, Rogério. Muito agradecida por suas visitas e comentários. Bom domingo! Inté!

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