A consulta estava marcada há algumas semanas atrás, não muitas. E, um pouco antes da hora marcada, tirei uma senha que não serviria para nada. Seu costume era, e continuava a ser, vir ao fundo pequeno corredor e chamar pelo nome.
Esperei curtos minutos para ouvir "Rogério!" e um sorriso seu acompanhava o gesto convidando à ida. Amparou a porta para que entrasse e após trocados amistosos cumprimentos iniciou a consulta perguntando-me detalhes sobre como eu estava evoluindo.
Contei-lhe como me sentira, de como do nada sentir passei por um período longo de dores, das noites mal dormidas, dos meus diálogos com o meu corpo, desses meus textos plenos de ironia, de como na farmácia, a Ana, se admirara dessa minha escrita e me prometera enviar um artigo cientifico. Nessa altura, ela interrompeu "Sabe, Rogério? assim como a mente agrava a doença ela também interfere na cura!"
A partir daqui, enquanto me media a tensão e me pesava, íamos falando da Teresa. Com voz consternada ia comentando as suas confidências, a sua apreensão pelos meus excessos e pela minha falta de juízo. Percebendo a minha comoção, mudou de assunto com um gesto significativo e um abanar de cabeça de desalento.
Nem tínhamos tido, ambos, a percepção de como a consulta se alongara até que de repente sentimos isso mesmo... Enquanto ia escrevendo a receita olhava-lhe aqueles cabelos brancos e sustive o ímpeto de lhe perguntar quantos utentes estariam naquele Centro sem médico de família e quantos anos mais eu a teria comigo...
À saída, sem me conter, perguntei-lhe a idade. Ela apercebeu-se do sentido e segredou-me baixinho. "76, Rogério! 76!
Mas...não se diz que é muito feio perguntar a idade a uma senhora?
ResponderEliminarQuem me dera que a minha médica tivesse esse tempo todo para me dispensar...
Boa noite, Rogério.
Só hoje, perguntei a idade a três, e todas me responderam... quanto ao tempo que a minha médica me dedica... ela é da família
EliminarBoa noite, Janita.
Tudo rapaziada da mesma criação.
ResponderEliminarAté dói, sentir que a vou perder...
EliminarNão é de muito bom tom ,Rogério mas dependendo da intimidade torna-se comum.
ResponderEliminarE há mulheres que não se importam e até se sentem orgulhosas de falar sobre idade. Já pensar em perder-nos um dia, aí sim é triste!
Grande abraço e vou retornando devagar_ mas anda estou fora de casa_ revendo a família .Coisa boa não?
um abraço, Rogério
Olá, Lis
EliminarA minha relação com a médica de família conta cerca de 30 anos de cumplicidades... ela sente-se um tanto responsável pela rápida evolução da doença que vitimou a minha Teresa (mas eu não a acuso disso). Ela tem a memória das conversas, todas, tidas . É uma querida...
Quanto a perde-la... tem 76 anos... ela e outra médica do meu Centro de Saúde são ambas septuagenárias e não há garantia do SNS em substituí-las! Em Oeiras era elevado o número de utentes sem M de F. É isso que foi!
Quanto à nossa família
não há coisa melhor na vida
Abreijos
Setenta e seis e ainda no activo. É obra!
ResponderEliminarO meu médico de família é um jovem muitíssimo simpático com idade para ser meu filho. Vai ser ele que me vai perder a mim :)
Forte abraço!
O amor ao que se faz, explica que continue... ela e outra... lê a resposta que dei à Lis!
EliminarHá jovens médicos igualmente empenhados. Haja esperança que o SNS os cative e estimule! Embora o panorama seja pior que mau...
Abreijos
Uma das minhas amigas de café está nessa difícil situação; não tem médico de família porque a médica dela se aposentou... aliás, também tenho companheiros de versos, do HP, que estão sem qualquer apoio médico pela mesmíssima razão. É urgentíssimo que se criem as condições necessárias à adesão e permanência de novos técnicos superiores de saúde. E também de enfermeir@s e auxiliares, sem dúvida.
EliminarQue beleza! de texto... e de acontecimento. Às vezes as coisas más, doenças, trazem-nos coisas lindas, pessoas dedicadas verdadeiras, interessadas pelo nosso estado de saúde e maneira de ser. obrigada pelas partilhas. Tudo de melhor
ResponderEliminarSem me repetir, te deixo a minha apreensão!
EliminarTudo de bom, para si também!
Rogério, como todos os profissionais, têm aqueles que, na primeira consulta, após sairmos, dizemos: “esse nunca mais!” Mas têm aqueles que elegemos nosso médico para sempre, enquanto vivos permanecermos, nós ou eles / elas. Já passei por alguns profissionais que pensei assim. E é muito bom quando acertarmos, uma vez que hoje muitos atendimentos são objetivos demais. Não gosto de muita objetividade, nos tolhe um pouco nas dúvidas que temos e que é bom esclarecermos sempre. Por isso é muito fácil de entender o seu posicionamento com sua médica de família. E que bom!
ResponderEliminarAbraço e um feliz fim de semana.
Olá, querida amiga.
EliminarPor aqui, não escolhemos o médico(a). Cada utente (família) é indexado. Esta querida saiu-me na rifa. Isto é, saiu-nos a sorte grande! Quanto à consulta, ela poderia ter durado pouco mais que 15 minutos e durou 45! O tempo remanescente foi investido em aconchegos d'alma, em memórias (algumas delas bem tristes...)
Conhecemo-nos há 30 anos!!!
Abraço
Maravilha, sorte mesmo!
EliminarQue essa dupla dure muitos anos!
Abraço, feliz domingo.
Que delícia de texto.
ResponderEliminarE a idade dessa médica que deve ser uma Madre Teresa na terra.
Tem sorte em ter alguem assim a tratar de si.
Gostei tanto de ler este texto.
Desejo que esteja melhor e que tudo corra bem.
Bom domingo.
Beijinhos
:)