30 julho, 2023

O LIVRO QUE VOU ESCREVENDO - Cap. 003

A sala de cozimento onde se inicia todo o processo de fabrico da cerveja

  

A SURPRESA E O APRENDIZ

 

Minha Alma há pouco me perguntava se me lembrava de quem estava, quem me recebera e me deu a descrição detalhada das minhas responsabilidades, seu âmbito e relações funcionais, aos mesmo tempo que circulávamos pelas instalações

 

A surpresa foi minha, a dele nenhuma. A avaliar pelo seu sorriso largo ele sabia. O reencontro foi um apertado e longo abraço, assim como foi longa a conversa, relembrando tempos e lutas em que participámos juntos na Direcção da Associação de Estudantes do Instituto Industrial de Lisboa a que ele presidia (eu tinha dois pelouros, a secção cultural e o das relações externas).

 

Diz-me ele, num tom entre a afirmação e a pergunta: - “Foi aquele teu texto no jornal da Associação que fez com que te suspendessem o adiamento da incorporação militar, não foi? Chegaste a ir à guerra?

– “Acho que sim! Para a incorporação compulsiva ter-se-á, também, somado ao facto de ser delegado à RIA onde quase todos eramos simpatizantes do Partido... talvez a exceção fosse a Helena Roseta mais um ou outro... quanto à guerra... fui mobilizado para Angola, onde fui enfermeiro e...”

Ele, interrompendo:

- “Olha, vem mesmo a calhar! Tudo o que fazias ou orientavas, para tratar da saúde ao pessoal, pode agora ser ajustado, em termos de conceito, ao tratar da saúde aos equipamentos. Basta fazer o paralelo; vacina ou anti palúdico não é, nem mais nem menos, que a manutenção preventiva; ferida, de queda ou tiro, passa, numa máquina, a ser a reparação de uma avaria ou seja manutenção curativa...”

Desta vez fui eu a interromper:

- “...e um ataque cardíaco?”

Resposta pronta:

- “Por falta de manutenção, as máquinas também gripam”

 

Ambos soltámos uma sonora gargalhada, posto que ele comentando que bastava de conversa, ali e naquela altura, lembrando que lhe competia mostrar-me o avanço da montagem da fábrica, para meu enquadramento.

 

Entrámos numa nave, elevada, e eu fiquei espantado com a beleza daquilo a que chamei “depósitos” que ele imediatamente corrigiu esclarecendo que se tratava de “panelas” e lá foi dizendo que era naquela sala de cozimento que todo o processo de fabrico começava.

 

Eu, o aprendiz, nunca mais o interromperia no decurso da visita.

Continua

9 comentários:

  1. É muito bom ir acompanhando todos os contornos de mais uma história de vida do autor do blogue. Uma vida cheia e bem preenchida de acontecimentos. Estes, desconhecidos para a maioria dos seus amigos.
    Todos fomos, algum dia, aprendizes de alguma coisa, uma vez que ninguém nasce ensinado. Irei lendo, com prazer, as aprendizagens e vivências de um amigo de voz doce e suave que desde há longos anos, admiro e estimo.
    Força aí, na descrição dessa caminhada que se adivinha longa. :)
    Um abraço, Rogério!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quando eu aqui era aprendiz já na vida aprendera muitas coisas... o meu primeiro emprego foi aos 16 anos... a guerra ensinou-me a humanidade e como se despe a Minha Alma de qualquer farda...

      Quanto à caminhada... enquanto houver estrela e mar, eu não vou parar (mas vai levar largos meses, certamente)

      Abraço Janita

      Eliminar
  2. Teresa Palmira Hoffbauer30 de julho de 2023 às 23:53

    Ao ler o final deste capítulo, lembrei-me de O Aprendiz de feiticeiro (Der Zauberlehrling) título de um poema de Johann Wolfgang von Goethe, escrito em 1797.

    Abraço da leitora assídua com associações absurdas‼️

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinto-me grato
      por tal lembrança lhe ter provocado
      Tenho particular simpatia
      pelo absurdo da vida!

      Eliminar
    2. O POEMA que publiquei hoje sobre o MEDO vai obrigar os meus leitores à reflexão sobre o seu próprio medo 😱 Eu também reflecti.

      Eliminar
  3. Meu amigo Rogério, o livro que vai escrevendo tem uma narrativa com momentos comuns a muitas pessoas, não estranhando por isso o gosto que me dará ir relembrando também algumas dessas coisas. Vai ser um bom livro, tenho a certeza.
    Uma boa semana.
    Um beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acredite, amiga Graça, que esse também é um objectivo do meu livro, ou seja, levar as pessoas a reflectir sobre o seu passado.

      Quanto a ser um bom livro, farei por isso. Mas atenção: os textos que venho publicando são escritos ao sabor da pena (e serão profundamente revistos)

      Beijo com iguais votos de boa semana

      Eliminar
  4. Grande Rogério, aqui vou contigo episódio a episódio.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estimo o prazo de nove meses... depois acontecerá o "parto-sem-dor"...

      Eliminar