"(...) Sim. Dentro de instantes, Pilar, a tua mulher, irá deitar parte do que sobejou do teu corpo ao chão, mas todos nós que aqui estamos sabemos que ao mesmo tempo que te deitamos na terra, não te deixamos na terra, nós todos levantamos-te do chão.
(...) e imaginarmos as figuras que tu mesmo imaginaste. E entrarmos nas tuas razões, e nos teus combates, sobretudo, no edifício magnífico da língua escrita que tu inventaste. Cada vez que acontecer, seja onde for, e em que idioma for que sejas lido, em qualquer parte da terra que seja, tu não serás as tuas cinzas que irão ser depositadas neste jardim, à sombra duma oliveira. Serás sim, os milhares de páginas que escreveste sobre a Utopia e o desconcerto e o concerto do mundo. Sobre os vivos, os mortos, Deus, os reis e os pobres, o elefante e o Cristo. Um mundo acrescentado ao Mundo. E por isso, quando Pilar del Río colocar as tuas cinzas da tua matéria física na terra, só ficaremos tristes por pensar em como o teu corpo foi inteiro, e termos saudades dele.
(...) Quanto a nós, enquanto formos vivos e pudermos recordar-te, recordar-te-emos com se estivesses entre nós. Nós próprios não temos outra eternidade para te dar."
Disse, Lídia Jorge (ler tudo, aqui)
26 junho, 2011
Homilias dominicais (citando Saramago) - 37
Está escrito no chão. Naquele do qual o levantaremos, se nos levantarmos como ele desejaria
Regresso às minhas homilias. Sinto-lhes a falta. Não para responder a textos provocatórios ao homem, baixando-lhe o ser e o estar ainda que endeusando-lhe a obra. É apenas porque na imposição que aceito para editar, todos os domingos, palavras suas, me obrigo a mergulhar nelas. Preciso delas, ao regressar ao meu escrever. Sei que são palavras que me desassossegam, mas como viver sem o estar? E sendo impossível passar ao lado de este estar desassossegado, que seja ao menos um estar lúcido e interventivo. Para o passar fazer com a percepção de que não está seu corpo junto de nós, transcrevo palavras, ditas um ano depois da sua morte:
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Gosto mesmo muito de ler estas homilias dominicais, Rogério.
ResponderEliminarQue falta nos fazem as palavras que não nos desassosseguem?
ResponderEliminarQue falta nos fazem as palavras que, ditas belas, se casam umas com as outras, sem que daí nada nasça de novo?
Com as suas palavras Saramago sempre nos perturbou, inquietou e desassossegou, para além de nos motivar à subversão do ser e do estar através, também, das personagens por si construídas com a mais pura e fina argila do pensamento.
Ainda bem que assim foi.
Por mim, só lhe posso dizer: Obrigado, José!
As palavras de Lídia Jorge, em boa hora por si aqui reproduzidas, são do que mais belo tenho lido-
- "Quanto a nós, enquanto formos vivos e pudermos recordar-te, recordar-te-emos com se estivesses entre nós. Nós próprios não temos outra eternidade para te dar."
Partilho a mesma opinião da Teresa.
ResponderEliminar"...todos nós que aqui estamos sabemos que ao mesmo tempo que te deitamos na terra, não te deixamos na terra, nós todos levantamos-te do chão."
ResponderEliminarEmocionante!
Beijo
É possível, mas acho tão difícil não se poder associar uma grande obra ao seu criador.
ResponderEliminarBoa semana, Rogério.
Comovente!...
ResponderEliminarEntre Saramago e a sua obra não há barreiras nem divisões... Há só uma enorme afinidade, uma fidelidade absoluta aos valores consonantes com o Humanismo, que o Autor preconizava.
L.B.
Não conhecia as suas homilias dominicais uma vez que conheço há pouco tempo o seu blog. Mas uma coisa é certa. Leem-se com muito agrado mesmo numa madrugada de segunda feira.
ResponderEliminarCaro Rogério,
ResponderEliminarNunca fui muito de homilias, mas as suas leio-as/ouço-as com atenção e muito prazer!
Abraço e boa semana para si!