CORAÇÃO HABITADO
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"
«As minhas mãos magritas, afiladas,
ResponderEliminarTão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.
Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.
Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!
Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?»
Florbela Espanca
Dá-me as Tuas Mãos
ResponderEliminarAs mãos foram feitas
para trazer o futuro,
encurtar a tristeza, encher
o que fica das mãos
de ontem - intervalos
(duros, fiéis) das palavras,
vocação urgente
da ternura, pensamento
entreaberto até
aos dedos longos
pelas coisas fora
pelos anos dentro.
Vítor Matos e Sá
Meu amigo:
Nunca foram precisas tantas mãos como agora.
Juntemos pois as nossas mãos!
beijinhos
«Hoje roubei todas as rosas dos jardins e cheguei ao pé de ti de mãos vazias».
ResponderEliminarE.A.
O Eugénio de Andrade dá cabo de mim...
ResponderEliminarMas não é só ele. Há outros Poetas que me fazem o mesmo...
Se me desses as mãos... O voo seria certo.
ResponderEliminarUm grande bj querido amigo
Igual como a Maria. Acabei de falar nele na Seara de Versos a propósito dos silêncios e este poema é uma loucura...
ResponderEliminarBeijos
Branca
MONÓLOGO DAS MÃOS - Ghiaroni (imortalizado por Procópio Ferreira).
ResponderEliminarPara que servem as mãos? As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever......
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena;
foi com as mãos que Jesus amparou Madalena;
com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidia a sorte dos gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda;
o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir;
o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões;
os remédios e os venenos;
os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes;
no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta,acariciando, mostra a bondade;
fechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes;
da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com as mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
Girassóis nos seus dias. Beijos.
Eugénio, o grande Eugénio, é uma dos poetas que trago no coração desde que o descobri no Liceu.
ResponderEliminarTenha bom dia.
Bonito, profundo e “transpira” muitos dos sentimentos que compõe o conceito de “Homem” (no sentido de humanidade)
ResponderEliminarAmigo Rogério,
ResponderEliminarainda na sequência da sua Homilia de ontem e sobre o que nos disse José Saramago, trago-lhe um poema.
Não de Eugénio de Andrade, embora me tivesse lembrado de um belo poema seu "As Palavras".
Como o mote do seu post continuam sendo as Mãos, aqui lhe deixo
"As Mãos" de Manuel Alegre que supostamente lhe dirá muito.
"Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade."
Como sabe este poema foi musicado pelo Adriano Correia de Oliveira.
Um beijinho.
O nosso Eugénio
ResponderEliminarsempre vivo
É pela mão que um homem
ResponderEliminarDe pequenino se faz
E, já grande, por gestos,
Pela mão um homem faz
Nos outros a Paz!
Com as mãos se faz
ResponderEliminara amizade
Tantos contributos, fazem-me pensar que é útil pegar em temas. Continuarei neste, embora a Janita tivesse, inadvertidamente, desfeito a surpresa quanto ao seguinte...
(obrigado Janita por me ter lembrado o que antes fiz...)
Que lindo, Rogério!
ResponderEliminarAs palavras também nos abraçam, e de que maneira! Mas não concordo muito que a alma só atrapalhe.
Ser-se abraçado com palavras que saem da alma, deve ser muito mais reconfortante.
Fiquei triste por não me ver ali, entre os comentaristas, mas lembrei-me logo a seguir que só nos conhecemos um tempo depois, através da "Pilita Alentejana"!
Lembra-se?
Se não se lembrar, eu volto cá para lhe refrescar a memória!
"Só guardamos na memória, aquilo que guarda o coração"
( Citação de Rogério Pereira )
Beijinhos.
Eugénio de Andrade escreveu
ResponderEliminarmuito boa poesia e merece ser
sempre recordado.
Um bj.
Irene
O que mais me encanta em Eugénio é o seu modo de ser poesia. Não é só escrita. Na sua poética as palavras agrupam-se espontaneamente segundo afinidades íntimas (assonâncias, aliteração, ritmo, seduzindo o leitor.
ResponderEliminarO que diz é sempre belo como se nada soubesse do mundo. E nesse "nada saber" juntam-se poeta e criança, de mãos dadas por entre as coisas, tocando-as, desmontando-as para as ver melhor, para que as vejamos melhor.
"Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem[...]"
Um beijo
Lídia
Excelente a escolha. As escolhas. O poema e o autor.
ResponderEliminarVoltei e fiquei com um sorriso porque também eu ontem ao passar por aqui andei às voltas com as mãos do Manuel Alegre e apeteceu-me deixar o registo no comentário como fez a Janita, que foi mais espontânea que eu.
ResponderEliminarObrigada Janita
Estive a ver ali ao lado as 24 razões para fazer greve, tem tudo a ver, porque "nas nossas mãos começa a liberdade"
Um abraço.
Branca
Como eu gosto de Eugénio de Andrade!
ResponderEliminarBeijinho
Uf! Rogério, tive que voltar, porque este seu hábito de nos remeter de link em link dá cá uma trabalheira, :), mas vi e li textos muito lindos, o que antes fez...sobre as suas palavras, as que lhe saem do corpo, que são "lábios de beijar
ResponderEliminare dentes de morder, de trincar", e depois o outro link que contém parte do que há dias transcreveu num comentário para a Lídia.
Volto, porque por aqui há muito que ler e tudo nos remete para algo mais...mas voltarei provávelmente só sexta-feira, amanhã à noite reflexão e na Quinta-feira palavras, palavras, palavras... "com dentes de morder e trincar"... :)
Uma boa noite.
Beijos
Imenso, sempre, Eugénio de Andrade.
ResponderEliminarum abraço
oa.s