(texto que me veio à ideia ao ler este post)
Ele, criança, seguia os movimentos das mãos da mãe que com gestos lestos preparava a refeição. Naquele tempo, ou a falta de conduto ou a chegada do suão determinavam o que comer. E era mais difícil superar a penúria do que suportar aquele vento quente que abrasava tudo. A faca afiada ia cortando em pedaços todos os ingredientes. O tomate aos quartos, os pimentos em finas tiras transversais, como que para ornamentar. A cebola picadinha, picadinha. O alho ainda mais picado e o pepino, depois de feitas as rodelas, iam sendo também cortados em pedaços, uns maiores outros mais pequenos, como se obedecesse o corte a regras geométricas, precisas. A criança não tirava os olhos dos gestos, embora fossem exactamente os mesmos dos que foram antes, e antes, e nos outros dias até ali. A mãe pressentindo-lhe o insistente olhar, pergunta-lhe "queres, ajudar?" Ele abanou a cabeça, esboçando um leve sorriso de agrado. A mulher pousou a faca, passou as mãos pelo avental e arrastou o banco para perto da mesa. Ele subiu, sozinho e um pouco a custo. "Pica aqueles coentros" disse a mãe, enquanto pegava na pequena bilha de barro, com pequenas pedras brancas embutidas configurando desenhos de flores mal talhadas. Despejou na malga um pouco de água. Mesmo muito pouca, pois o que contava era a frescura. Temperou com um fio de azeite e quatro colheres de vinagre, juntou-lhe óregãos e bocados de pão migados à mão. A criança estendeu-lhe a pequena tábua com os coentros, para que os juntasse. Sentaram-se e a mãe serviu, depois de acrescentar uma pitada de sal. Comeram silenciosamente a vinagrada.
____________
Mantenho o gosto de cozinhar e, lembrando-me desses tempos, peço sempre a quem me olhe, que me ajude e ... pique os coentros.
Lindo, adorei. E nada de vinagre, afinal
ResponderEliminarKis :=)
Gaspacho… ou arjamolho!!
ResponderEliminarUm prato que faço com frequência mas que me sabe melhor em Portugal porque quem o faz sabe fazê-lo à alentejana… uma versão deliciosa para acompanhar sardinhas assadas!
Rogério… do que me fez recordar neste momento! : )
O prato favorito dessa mãe e do seu filho.
Bom dia Rogério.
ResponderEliminarEstava à espera que me convidasses. Gosto dos cheiros e dos sabores tradicionais da nossa cozinha e sempre que posso meto a mão na massa
Esta semana fizemos assim mesmo como escreveste. Juntou-se o que havia e no fim cercamos a salada com um lento fio de azeite.
Um abraço retribuindo carinho e amizade.
Ler este poste tão apelativo na sala de espera de um aeroporto pode ser desesperante.
ResponderEliminarBem, vou comer uma sandes antes de bater as asas...
:)
hoje é um petisco de luxo...mas, "ontem" era um tapa-fomes.
ResponderEliminarFaço-me convidada desta deliciosa receita nada avinagrada.
ResponderEliminarMemórias que o gosto apura.
beijinho
Com a aproximação dos dias quentes, começa a apetecer esse tipo de refeição.
ResponderEliminarSabe Rogério? O meu prato preferido em tempo de férias, o famoso gaspacho, com sardinhas assadas e batatas cozidas com pele...
Abraço!
Belo quadro do menino
ResponderEliminarcom sua mãe a enredar o suão
e, quem sabe? a precisão
sem horizonte e sem destino?
Deixou-me de agua na boca...
ResponderEliminarExcelente receita avinagrada....
ResponderEliminarUm abraço
Adorei. Maravilhosa narrativa. Parabéns !
ResponderEliminar
ResponderEliminarNunca provei uma vinagrada... mas feita pelas tuas mãos imitando os gestos da senhora tua mãe... confirmo que provaria de bom grado!
Obrigada por me dares a conhecer este ternurento retalho da tua memória
(^^)