31 agosto, 2014

Há textos assim, que até parecem escritos por mim


A Maria é a neta mais nova, filha da minha filha mais velha e a foto é de ontem. 
Entre a idade dela e a idade da sua mãe, há toda uma prol da qual já vos falei. Tenho vários escritos, mas vem a propósito de um belo texto recebido de um amigo referir o «Lembranças de um pai de filhas...» e, também, «O dia do sogro...»

O texto hoje recebido (o tal que parece por mim escrito):
«Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.»
"Antes que elas cresçam" 
Agradeço ao Cid Simões tão belo texto

13 comentários:

  1. Não podemos parar o tempo, podemos é fazê-lo correr mais lento...aproveitando cada minuto o sorriso de cada neto, vivenciar cada segundo do seu crescimento e esperar que o tempo passe devagarinho...

    Que crescida e
    bonita que está a Maria!
    E o Diogo?
    Não estava aí nesse dia?

    É lindo ter uma família numerosa.

    Beijinhos para os mais pequenos e abraços para os crescidos! :)

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  2. .

    .

    . dos pais . permanece o tributo sob a forma de crescimento ávido . o qual se quer maior e consequente.mente para sempre .

    .

    . dos filhos . a perenidade em tantas almas que nos acrescentam .

    .

    . porque . a.final . todos somos para sempre .

    .

    . (.grato pela visita.) .

    .

    .

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  3. Que menina linda!

    O tempo passa à velocidade da luz...

    Abraços para família e continuem muito felizes , Rogério.

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  4. Bem rente à realidade!

    Que a nossa ansiedade não lhes apresse o crescimento. Tudo tem um tempo e há muito tempo, quando junto deles, podemos fazer um momento valer a eternidade.

    Beijinho aos pequeninos!

    Lídia

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  5. Sou mãe e avó de eles!Mas a da foto é uma gracinha!
    Este texto tresanda a ternura!
    É bom ficarmos órfãos dos filhos no sentido metafórico!

    Abraço

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  6. ~
    ~ ~ Parabéns pela linda e mimosa netinha.

    ~ ~ Um texto comovente, de sentida saudade.
    ~ ~ Qualquer um, da nossa década, o subscreveria.

    ~ Ótima semana com muitos mimos - a dar e a receber.

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  7. Ainda não tenho netos e os meus filhos sinto-os pequenos.
    A vida não os deixa crescer como querem e eu vou esperando essa orfandade.
    Linda a neta e o sentimento.

    beijinho

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  8. Posso me somar à vontade da autoria compartilhada? Vó ainda não sou, mas espero ser. E vai ser assim mesmo, imagino.
    Muitos bjs querido amigo

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  9. Belo texto e uma neta amorosa.

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  10. São a continuidade da árvore...carinhos da vida.Parabens por essa felicidade.

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  11. Rogério,
    Na verdade um texto que nos deixa sem palavras.
    Obrigada pela partilha.
    A Maria é linda e a foto está fantástica.
    Boa tarde!:))

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  12. Rogério,
    Na verdade um texto que nos deixa sem palavras.
    Obrigada pela partilha.
    A Maria é linda e a foto está fantástica.
    Boa tarde!:))

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