Compraram aquela pequena quinta com o que resultara da venda da loja lá das Ermidas e os primeiros tempos foram dispensados para fazer algumas pequenas obras na casa, tornando-a mais acolhedora. Fê-lo com a empenhada ajuda da companheira que, esquecida da malvada ciática e de como lhe pesava os anos, se ia prestando para o que fosse necessário, ficando a caiação por conta dela.
A ele passou a competir o amanho da terra que todas as manhãs percorria, de uma ponta a outra, até descobrir aquela por onde pegar.
Naquele dia, até porque o pomar dava mostras de morte, resolveu reabrir o sulco entre o tanque de rega e as tangerineiras, e depois entre estas e o laranjal.
Abeirou-se do poço e a braço, balde a balde, foi enchendo o tanque até ao ponto em que achou suficiente. Depois abriu a agua e esta escorreu para o sulco percorrendo-o, primeiro em grande caudal para depois este se ir reduzindo até se sumir completamente, mesmo antes de chegar ao pomar.
A terra, que ali era fofa e arenosa, bebia a agua toda impedindo-a de chegar ao destino. Repetiu tudo sem obter resultado diferente sob o olhar do dono do terreno vizinho, que à distancia lhe seguia o esforço.
-"Ti Jaquim Bento, não adianta... As árvores estão mortas, há mais de dez anos que não são regadas... Mais vale levantá-las todas e plantar novas!"
Ele levantou o olhar e aproximou-se do valado que separava as quintas para lhe responder com voz convicta.
- "Sabe?, o trabalho produz milagres! E não tendo a certeza de sua morte não quero eu ter o peso na consciência de lha provocar."
Ficaram ainda um pouco por ali, a falar das estiagens prolongadas e do desleixo que o anterior proprietário tinha votado à quinta. Depois fez-se ao decidido: salvar o pomar.
Não foi fácil arranjar cimento, mas lá conseguiu um saco na loja da Maria do Mouro, a um quilómetro dali, e de pronto o trouxe, num carro de mão que lhe fora emprestado.
Escolheu a eira, pelo espaço amplo e aí deu-se à faina, também ela nunca experimentada, de construir troços para a caleira. Construiu o molde de madeira. Preparou a argamassa. E encheu-o tantas vezes quantas aquelas para que rendeu o saco inteiro de cimento a que ia juntando pequenas porções da terra arenosa retirada de onde ela mais se parecia com areia.
Acabou, noite dentro com mais de uma centena de peças feitas.
De manhã cedo, ainda dorido pelo esforço, foi-se a montá-las tendo o cuidado de as ir ligando com o resto de cimento que tinha guardado para tal efeito. E quando o sol já se ia pondo, confirmando a consistência da obra, iniciou a rega.
De dois em dois dias, repetia. E depois de três em três, passando à rotina de duas vezes por semana até que a primeira flor começou a irromper. Colheu-a e levou-a à companheira de uma vida inteira.
- "Toma-a Mariana, em Fevereiro teremos o milagre esperado", e parecia que o odor da pequena flor de laranjeira se espalhava pela casa inteira.
Dizia, quem as comia, não haver no concelho da Moita do Ribatejo outras laranjas com sabor assim como aquelas da quinta do Ti Jaquim Bento.
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O aqui contado surge fora da cronologia pois devia ter sido escrito antes deste outro conto