27 agosto, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 10 (os cães são como os fazem os donos)

(Ler conversa anterior
"Sendo o homem um animal doméstico, quem melhor do que um cão para o educar?"- in "bons tempos hein?"
"Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias. O cão mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego." - in "Mar Arável"

O rafeiro olhava-me com o mesmo olhar do senhor engenheiro...

Tinha decidido meter conversa com o senhor engenheiro. Inspirou-me o rafeiro. Iria começar por por aquele seu olhar quase humano.
- É manso?, perguntei e quando já aquela pergunta idiota ia no ar é que reparei quanto ela era escusada...
- Quem, eu?
- Não, o seu cão! 
- Não, o meu cão não é de fiar... 
- Parece...
- Nem tudo o que parece, é. Os cães são como as pessoas. As pessoas parecem uma coisa e, no fundo, são outra...
- Assim é!, disse, um pouco decepcionado pelo inesperado rumo da conversa. O rafeiro parecia um molengão... mas o senhor engenheiro continuava com a aquele ar de quem faz uma confissão que lhe oprime o coração:
- Sabe lá as cenas que esse cão me faz... Todos os dias, antes de sairmos, não me sai da porta. Arranha-a a toda, como que a dizer-me que estou atrasado e que está na hora. Se venho devagar, acelera. Se venho acelerado, obriga-me a parar. Chega aqui e põe-se assim, com aquele olhar de carneiro mal morto a exigir-me o pedaço de bolo. Esse cão dá cabo de mim...
Estava cada vez mais admirado. Sempre pensei que quem tivesse um cão assim, se aproveitaria para lhe gabar a inteligência, a capacidade de fazer guarda e companhia e que aproveitaria para louvar tal animal. Enquanto eu assim discorria, na mesa ao lado, a Teresa explicava à Rita que o feito do falecido astronauta Armstrog só podia ter acontecido depois do que uma cadela fizera, argumentando contra aquela, que dizia que há cães assassinos, lembrando aquele que matara uma mulher, filando-lhe a garganta. O engenheiro, que também acompanhou a conversa, explicou tudo numa pequena frase.
- Os cães, meu caro, são para o que são educados e treinados". Não contive a interrogação:
- Mas então o seu?...
- Faz exactamente o que lhe mandava a dona, que morreu... 
Olhei o rafeiro, que abanava a cauda, lampeiro, parecendo confirmar o que o dono acabara de afirmar. Despedi-me, com um até amanhã. No caminho ia pensando na falta que fazia ao velho engenheiro, a verdadeira dona do seu rafeiro...

10 comentários:

  1. .

    .

    . entre.animais.mais.do.que.domésticos . o cão . desde sempre e para sempre . um "educador" invejável .
    .

    . deixo um abraço e um convite .

    .

    . há uma festa que espera por Si no . intemporal .

    .

    .

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  2. O Sr. Engenheiro nunca deve ter lido La Fontaine, por consequência não sabe que nada melhor do que os animais para educar alguns homens,
    Obrigado pelo link.

    Abraço

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  3. " os cães são como os fazem os donos"


    Fiquei a pensar e 'revi-me' nos meus...mas ainda continuo a precisar de um espelho.

    Beijo

    Laura


    Onde arranjou um cão tão lindo?

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  4. Uma efabulação que comporta muito mais do que parece situada algures entre o "mandar" e o "ser mandado".

    Fico à espera do resto. :)

    Um beijo

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  5. gostei mesmo do texto e do olhar ameaçador do cão...

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  6. Acho que ela ainda fazia mais falta ao rafeiro! ;-))

    Abraço

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  7. Gostei muito de voltar a ler-te, assim solto e fluído.
    Aposto que tens um olhar igualzinho ao deste lindo rafeiro :)

    Um beijo

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  8. Ó Rogerito, esse cão de rafeiro não tem nada! Absolutamente nada! Tem um aspeto lindo e um olhar doce e inteligente...

    E, aqui para nós, que ninguém nos ouve: uma mulher, uma dona, faz muita falta em casa...)

    Beijinhos rafeirentos...

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  9. Rafeiro é que o jeco não me parece, agora quanto ao senhor engenheiro, nnada a obstar . É "talqualmente" ele diz...

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  10. Texto maravilhoso caro amigo!

    Chegou em minha casa sem convite algum, um cão destes sem raça definida, foi ficando carente e medroso. Um dia sem que eu esperasse lhe ofereci um pedaço de carne esticando a minha mão em sua direção e ele, gentilmente se aproximou e pegou.

    Acredite... fiquei muito feliz em mesmo que por segundos ter sido para aquele cão digno de sua confiança.

    Seu blog é ótimo!!

    Quanto ao texto que comentou no Alma. O "Olvidar" um dia espero contar a vida inteira (a minha)

    Olvidar foi uma pequena narrativa depois de saber da morte de um Senhor que vivia no esquecimento da maioria, até que por um cutucão da morte se fez lembrar. Por me sentir incomodado escrevi.

    Abraços meu amigo nos encontramos no Alma ou aqui!

    Vinicius.

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