26 agosto, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 96


A Lua_anda... exclamou Minha Alma com ironia... nesse dia!

Ando a reescrever e a citar palavras de mortos, pouco atraído pelas dos vivos. Lembro palavras ditas, há 40 anos atrás, por um morto, recente. Disse Armstrong que o Homem dera um pequeno passo mas que este seria um salto gigantesco para a humanidade. Vieram depois colocar em questão se o homem foi à Lua, ou não. Eu coloco outra, pois sou menos céptico, é a de saber se o salto a ser gigantesco o foi para a humanidade ou se para uma pequena parte dela. Sairia dessa  dúvida se acaso, por um  qualquer meio terreno, o meu amigo "Meia-Cuca" mo viesse afirmar a pés juntos, de lá donde o conheci, nas cercanias do Huambo...

Tenho por certo que desde então os pequenos passos dados por certa gente lhes serve para dar gigantescos passos para aumentar as desigualdades e dividir o mundo em várias humanidades ou, se quiserem, em diversas desumanidades. Razão, razão, tinha outro morto, no que dizia: "Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito." Nesta linha de descrença, confrontando o avanço da tecnologia com o atraso moral no usufruto dos seu benefícios, podia resumir a minha homilia aos dizeres de Saramago: "Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante", não o farei. Hoje, a minha homilia, não se refere ao que Saramago dizia, mas ao que eu próprio escrevi. Excepção, então, ao me dar a palavra, a mim, um vivo. 

HOMILIA DE HOJE
«...Dia 20 de Julho (de 1969) seria um dia histórico para a humanidade, mas também para a desumanidade. Eu e o Meu Contrário não conseguimos lembrar-nos de todos os pormenores desse dia. Mas a Minha Alma, que tem memória selectiva, recorda todos os momentos sensíveis da aproximação a Luanda, capital da dita Província Ultramarina de Angola. A manhã estava particularmente agradável e ia aquecendo intensamente com o passar das horas. Fora convidado para jantar na messe dos oficiais tripulantes.
(...) O jantar foi animado e todos seguíamos as notícias da rádio, que começou a reportar a alunagem seriam 8 horas da noite até que o feito era assinalado horas depois e já cerca das 3 horas da manhã com palavras: «Este é um pequeno passo para o Homem, mas um grande salto para a Humanidade.»
Irónica, a Minha Alma dizia-me ao ouvido:
«Mais logo a humanidade dará mais um passo atrás!»
Irónico, Eu, também pensava:
«Se a Lua_anda, se calhar Luanda não estará lá para eu alunar…»
Poucas horas depois pisava terras de Luanda, que não se arredara. Chegara, não ao fim mas ao início de outro caminhar, sem pensar se teria ou não regresso, embora não fosse o risco de morte o que me ocupava a mente…»

Rogério Pereira, in "Almas que não foram fardadas", pág. 26

9 comentários:


  1. A Ciência, essa coisa tamanha que, por vezes, a gente estranha.


    Gostei de conhecer o "Meia-Cuca" e o amigo e de reler este excerto de que me lembro ainda muito bem.

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  2. Meu amigo aqui estou no seu beiral:)
    Vejo que tem também outro cabeçalho,
    uma escolha perfeita.

    Relembrei o seu livro ;)
    beijinhos

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  3. E porque não aceitar a homilia de um vivo sobre um momento tão importante (?) para a humanidade? Do outro lado de África também eu ouvia pela rádio as notícias sobre a alunagem...embora como uma jovem romântica na altura, achasse que estavam a invadir o "meu reino de sonhos e poemas".
    Hoje, não sei se foi um grande passo para a humanidade quando esta entre si não se entende, escolhe a guerra e ainda não encontrou o ponto para " amarar" no coração do outro.
    Beijinhos
    Graça

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  4. Grávida do meu filho mais velho estava mais embrenhada na aventura de dar à luz, muito mais importante para mim! :-))

    Abraço

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  5. O meu pai tinha morrido em Março, no dia a seguir ao violento sismo de 69 e a minha mãe, por força das convenções e do medo do que os outros poderiam dizer, não nos deixava ver muita televisão. Fez uma exceção para vermos este acontecimento pela noite dentro...

    «Um grande passo para a humanidade» de facto!

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  6. Sem dúvida um 'dia' histórico para a Humanidade. Pena é que a Lua só brilhe de noite...

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  7. Com 11 anos e a olhar fascinada um televisor em casa de meu tio, algures no Ribatejo...acabara de descobrir o «herói americano». A minha avó ia repetindo: «É tudo a fingir.»

    Belo excerto!

    Beijinho

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  8. Caro Rogério,
    Nas reportagens radiofónicas que ouvia em Angola não intervinha um homem chamado Bettencourt Faria? No meu tempo, ele falava diariamente sobre a conquista do Espaço num programa de rádio em Angola e possuía um observatório nos arredores de Luanda, a que ele chamava "Centro Espacial da Mulemba".

    Eu visitei o observatório em finais de 1973 e fiquei completamente pasmado. Era todo feito de restos e aproveitamento de coisas usadas. Por exemplo, as antenas parabólicas tinham sido feitas pelo próprio Bettencourt Faria, com maçaricos e outras ferramentas, a partir de sucata dos caminhos de ferro! Até a maior parte dos aparelhos eletrónicos que havia no observatório tinha sido feita pelas suas próprias mãos, a partir de coisas usadas! O Bettencourt Faria era um verdadeiro génio.

    Embora fosse propriedade pessoal dele, o Centro Espacial da Mulemba era o único observatório que havia em toda a África que integrava a rede mundial de observatórios da NASA. O Bettencourt Faria conseguia, diretamente da Mulemba, contactar pessoalmente com os astronautas na Lua, para que estes pudessem comunicar com Houston! Enfim, eu saí do observatório com a cara completamente à banda...

    Como sabe, aqui em Portugal houve um outro autodidata e inventor que costumava intervir na televisão e na rádio para falar sobre o Espaço, chamado Eurico da Fonseca. Pois o Bettencourt Faria, em Angola, metia o Eurico da Fonseca no bolso. E no entanto, o Eurico da Fonseca também era um homem notável.

    P.S. - Assisti ao desembarque na Lua diretamente através da televisão. Foi um acontecimento que eu não queria perder por nada deste mundo.

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