10 julho, 2014

Lisboa, depois de "Menina e Moça", está sendo o quê? Que poema escrevia hoje Ary?


Depois do canto do poeta, que perdura na nossa memória, há modificações na cadência do tempo, que, sem que muita gente se dê conta, alteram a realidade de uma cidade sem que percebam como, onde e por quem, essa realidade tem vindo a ser alterada. E há quem dê por isso:
Lisboa é um imenso parque temático - «Certamente não passaria pela cabeça de ninguém privatizar uma cidade. Cidade enquanto espaço de pessoas, de trabalho, de habitação, de convivência intergeracional. Claro que há espaços privatizados mas o conceito de transformação da cidade como um espaço, ele próprio, privado,  aberto apenas a alguns, eventualmente com reserva de direito de admissão é uma ideia estranha.» - in Manifesto 74
Lisboa é como uma Disneyland - «E nós, os que vivem na cidade, somos os mickeys e as minies que vão entretendo a rapaziada que está de visita. Uma Disneyland sem os seus personagens não seria a mesma coisa. Mas verdade seja dita, estes personagens, mesmo que precários, são pagos. Nós, personagens temáticos deste grande Parque de Diversões, pagamos com impostos este circo de cidade.
Que venha um terramoto, talvez a malta desperte para a acção salvadora. Mas este terramoto que desejamos não é daqueles que aparecem por providência divina. Tem de ser daqueles terramotos que nascem dos pés da massa popular, que de passo em passo vibram os alicerces podres deste enorme coliseu circense que chamam de Lisboa. » - Comentário de C-Zero, aqui

Lisboa desistida - «A Cidade só resistirá como Lisboa quando deixarmos de evitar tomar consciência dela. E de nós, que lhe damos vida. Não fosse a cidade uma fôrma da forma como somos. Só resistirá se a tomarmos como nossa e a resgatarmos desta classe predominante que tudo torna descartável. Predominarmos nós, finalmente, que sempre fomos a raiz da Cidade. Trabalhadores! Não fosse a luz da cidade pintada com nossas mãos. Não tivesse Lisboa a forma da fôrma que lhe somos.» - in "Da Peste à Centelha"
Talvez estas, e a minha própria visão (a cidade é um zoo) não sejam percepções de uma realidade constatada hoje e já estivessem contidas na própria reflexão de Saramago:
(agradecido ao Bruno, pela preciosa ajuda neste post)

8 comentários:

  1. Talvez os seus olhos e alma de poeta ainda conseguissem ver em Lisboa alguma beleza e garridice!

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  2. ~
    ~ Não nos deixarmos escravizar ou amestrar pelos media, é um exercício diário imprescindível.

    ~ Passaram os carnavais da ditadura, passam, agora, muitos circos pseudo democráticos, mas penso que Ary cantaria Lisboa da mesma forma.

    ~ As palavras sensatas de Saramago, emocionam-me sempre. Grata pela partilha. ~

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  3. De caverna em caverna é este percurso da cidade real, que já foi do poeta. A outra, a feérica, não passa de um embuste e não há poesia que lhe valha.

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  4. CIDADE SEM SENTIDO(S)

    (Soneto em verso eneassilábico)

    Se a Cidade contasse os segredos
    Das janelas fechadas dos dias
    Quantos rostos e mãos não verias
    Nas cortinas já gastas dos medos,

    Quantos corpos em estranhos folguedos,
    Quantas camas desfeitas, já frias,
    Quantas mesas de pinho vazias
    De uns pedaços de pão, mesmo azedos?

    Se a Cidade pudesse falar
    E se erguida do chão, a gritar,
    Rebentasse em protesto incontido

    Levantando o seu punho no ar...
    [... ah, Cidade que eu tento inventar,
    nem eu própria sei dar-te um sentido!]




    Maria João Brito de Sousa - 05.10.2011 - 15.03h

    ... foi o que me ocorreu... abraço!

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  5. Lisboa fica nos arredores da avenida Tody
    em Setúbal
    onde o nosso Ary frequentou
    o melhor peixe

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  6. Belos textos aqui transcritos: a realidade que vivemos é realmente dura!

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  7. Prefiro ver a cidade sem nome. "Cidade", antes chão, terra que pisamos, todos nós, portugueses...


    Beijo

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