Carmo Afonso |
"O direito internacional dá provas de não servir para muito. Israel violou a lei quando cortou o fornecimento de eletricidade, água, combustíveis e comida na Faixa de Gaza. Viola a lei quando bombardeia áreas residenciais, hospitais, abrigos das Nações Unidas ou escolas, viola a lei quando dá avisos prévios impossíveis de cumprir e claro que viola a lei quando mata civis. Mas nada disto tem consequências. Está a decorrer um massacre à vista de todos. O número de mortos que se perspectiva e a forma como estão a tentar eliminar os palestinianos da região obrigam a falar em genocídio e limpeza étnica.
Os ataques do Hamas foram uma carnificina e devem ser classificados, sem reservas, como atos terroristas. O que não podemos é aceitar que sirvam de legitimação para matar civis palestinianos e para o cometimento generalizado de crimes de guerra por parte de Israel. Só que é precisamente isso que está a acontecer.
Vários representantes do Estado de Israel deixaram claro que não distinguem civis palestinianos de milicianos do Hamas. O ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, ao anunciar os cortes no fornecimento de bens essenciais, chamou aos palestinianos animais e disse que Israel agiria em conformidade. O Presidente de Israel, Isaac Herzog, acusou os civis de estarem envolvidos nos ataques: “Poderiam ter-se erguido e ter lutado contra aquele regime maligno.” Estes dirigentes verbalizaram aquilo que teríamos cautela em concluir: que Israel quer punir o povo palestiniano coletivamente pelos atos do Hamas.
Aproximadamente metade da população em Gaza é constituída por crianças. As crianças não são do Hamas e não são cúmplices de ataques terroristas. São, como as crianças e bebés israelitas que o Hamas matou, puramente vítimas de uma guerra extremamente violenta. Na Faixa de Gaza, desde domingo,
Israel matou mais de 700 crianças palestinianas. São números adiantados pela Unicef, que fala também em 2450 crianças feridas. Estamos a falar de crianças, aquelas que temos a missão sagrada de proteger.
Aos que decretaram que não pode existir um “mas” quando se condenam os ataques do Hamas, digo que concordo. Mas exijo igualmente que condenem a matança que Israel está a fazer na Palestina e que o façam sem qualquer adversativa. É um princípio de humanidade e de decência. A quem não for capaz de o fazer, recomendo que se remeta ao silêncio e que se abstenha de exigir tomadas de posição a terceiros.
Outra vez: está a decorrer um massacre na Faixa de Gaza. É obrigatório que os líderes de todas as forças políticas em Portugal esclareçam se condenam, ou não, a atuação do Estado de Israel. É inaceitável que sejam poupados a tomar uma posição sobre este tema. É mesmo preciso saber se consideram que esta barbárie está legitimada, se tem atenuantes ou se é tão imperdoável como os ataques do Hamas.
O mesmo para o Governo. Tirando uma declaração de António Costa no fim-de-semana, que apontava para a crítica ao ataque de Israel a civis, apenas temos visto membros do Governo posicionarem-se ao lado da União Europeia (UE). Sucede que a posição da UE é parcial e, por isso, injusta. As palavras de Ursula von der Leyen em Israel, ao lado de Netanyahu, foram de apoio sem restrições à reação militar de Israel. Foi na sexta-feira, quando já tinham decorrido vários dias sobre o início dos bombardeamentos das forças militares israelitas sobre civis palestinianos. Razões já existiam, e de sobra, para não ter dado uma carta branca ao genocídio.
A falta de iniciativa e de coragem para condenar a atuação de Israel, que se vê por cá, é a mesma que caracteriza a comunidade internacional. Quando isto acabar, contarão muitos milhares de mortos palestinianos e aí existirá uma qualquer condenação ao Estado de Israel. Renovarão os votos de “Never again”, mas será, como sempre, tarde de mais. Teremos falhado aos palestinianos e seremos uma comunidade internacional mais desmoralizada. O que há para fazer teria de ser feito agora, mas nada faz prever que assim seja. À hora a que escrevo, as Nações Unidas nem exigiram um cessar-fogo a Israel e poucos interpelam a organização para o fazer. Parecemos aceitar coletivamente que o destino daquelas pessoas está traçado e que não há nada a fazer por elas. Na Faixa de Gaza vivem pessoas iguais a nós. Tenho a certeza que muitos convivem bem com o que se está a passar porque não acreditam nisso."
Carmo Afonso, in "O Público" - 16/10/2023
Uma verdadeira tragédia!
ResponderEliminarAbraço
Será que o impossível vai mesmo acontecer?
EliminarOlhando o que se passa, nunca estivemos tão perto...
Abraço, incrédulo
Tudo certo. Esta mulher tem voz.
ResponderEliminar...e será que é ouvida?
EliminarEu, pelo menos, leio tudo aquilo que ela escreve — já tinha lido este artigo em “A Estátua de Sal”‼️
EliminarTão triste tudo isto.
ResponderEliminarObrigada pela partilha do texto.
boa semana.
:(
Dramáticamente triste, Meu Sol
ResponderEliminarAbraço entristecido