23 março, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 57 (Afinal, Marx sempre escreveu poemas... )

(ler conversa anterior)

"...(sou) a favor do Tratado Orçamental... mas é preciso fazer uma leitura inteligente..."
Francisco Assis, in entrevista ao Expresso

"Pergunta-me, é possível cumprir o Tratado Orçamental? É, com um polícia a cada porta, porventura num estado de emergência..."
João Cravinho, hoje, ao DN

O cão rafeiro do senhor engenheiro desviou-se a tempo da pisadela na cauda, que a Gaby quase lhe dava. Eu suspendi o que ia dizer ao meu velho amigo, sobre a entrevista do Cravinho. E o pombo, espantado voou para ir pousar noutro lado. A Gaby dirigiu-se à mesa, erguendo-se de sopetão gerando a confusão e despertando todos para o que ia dizer. "Sabem?, ele tinha razão!" Percebi que se referia a mim, quando ela quase me cita: "Marx rima, mesmo sem rimar! Querem ouvir?" E sem esperar a resposta, leu:
"com desdém jogarei minha luva
bem na cara do mundo, e verei o colapso deste gigante pigmeu
cuja queda não sufocará meu ardor."
"Bem, não sei se goste... mas não tenho dúvidas quanto a este outro texto. É uma carta. Ora oiçam:
"Meu coração bem-amado:
Escrevo-te, porque estou só e me perturba sempre dialogar contigo na minha cabeça sem que o saibas e me possas responder.
Por má que seja a tua fotografia, presta-me esse serviço e compreendo agora como as efígies da mãe de Deus mais odiosas, as virgens negras, podem encontrar admiradores incansáveis. Nenhuma dessas imagens foi jamais tão beijada, olhada e venerada que a tua foto, que não reflete de modo algum a tua querida, terna e adorável doce figura. Mas os meus olhos, por ofuscados que estejam pela luz e tabaco, ainda a podem reproduzir não só em sonhos, mas também acordados.
Tenho-te, deslumbrante, diante de mim. Toco-te e beijo-te, da cabeça aos pés. Caio de joelhos na tua frente e gemo: « I love you, minha senhora... Amo-a de verdade muito mais que o Mouro de Veneza jamais amou... » O meu amor por ti, assim que te afastas apresenta-se-me pelo que é: um gigante que absorve toda a energia do meu espírito, toda a substância do meu coração. Sinto-me de novo um homem, porque tenho uma grande paixão..."
Karl Marx, in Jenny, a mulher de Karl Marx, de Françoise Giroud

6 comentários:

  1. O barbudo era um bocado lamechas.
    Engraçado que olhamos a realidade como cientistas, mas sentimos o mundo como românticos.
    Um abraço

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  2. Imagine! As coisas que se aprendem numa esplanada!
    Depois de dizer que não, fiquei a pensar que Marx só poderia rimar com poesia, se se falasse de Economia.

    "Quanto menos comes, bebes, compras livros e vais ao teatro, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas desporto, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. És menos, mas tens mais. Assim todas as paixões e actividades são tragadas pela cobiça."

    Isto é pura poesia....afinal, Karl Marx, era poeta e eu não sabia!

    Um beijo e até amanhã!

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  3. Todos somos poetas

    alguns ousam escrever

    até Marx

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  4. Gosto destas conversas de esplanada, mas o frio tem-me afastado um pouco...

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  5. Os poemas de Marx eram armas carregadas de futuro.

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  6. O amor é a melhor poesia que conheço.
    Esta desconhecia.

    beijinho

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