25 novembro, 2020

25 de Novembro, contado por quem foi personagem...


Conheci o Nuno ainda era miúdo. Ele também, pois teremos, mais ou menos a mesma idade. A confiança que tenho neste trabalho da RTP decorre do depoimento dele. Se ele não estivesse, não acreditaria no muito que aqui se diz. Não que o registo do dito não tenha sido o que se mostra. Mas, estou careca de saber, que há mil maneiras de manipular a História.
Mas porque a data merece, aqui fica um texto de um praça da armada, que esteve lá, de corpo inteiro:
«Alguns elementos para a compreensão dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 e suas repercussões na Marinha de Guerra Portuguesa.
 
Se é verdade que os Capitães de Abril estavam no essencial unidos no 25 de Abril de 1974, na base de reivindicações de classe e contra a Guerra Colonial. Com o desenvolvimento do processo revolucionário foram-se cavando divisões entre estes e no verão de 1975 deu-se uma rotura com significativas repercussões, mesmo ao nível do Conselho da Revolução, sofrendo este alterações na sua correlação de forças.
É nessa altura que surge o Grupo dos 9. Grupo que desenvolve intensa actividade contra o 25 de Abril, centrando a sua acção no descrédito do Primeiro Ministro Vasco Gonçalves e do seu Governo. O epílogo desta luta tem o seu momento alto com o pronunciamento de Tancos, no início de Setembro. Foi aí que a Assembleia dos 3 Ramos do MFA é dissolvida e que os 9 colocam em causa definitivamente a figura de Vasco Gonçalves.
Na Marinha, logo a seguir ao 25 de Abril, é possível que um grupo de oficiais progressistas assumam a direcção e comando desta arma, onde se destacam Pinheiro de Azevedo, Rosa Coutinho, Almada Contreiras, Martins Guerreiro, Pedro Lauret, Felgueiras Soares, Costa Santos, Ramiro Correia, Miguel Judas, Paiva de Andrade, Augusto Santos Silva, entre muitos outros .
Estes oficiais, em articulação com sargentos e praças progressistas, conseguiram por algum tempo, que o oficialato fiel ao fascismo não tivesse condições de desenvolver acções reaccionárias e conspirativas de relevo.
A partir do verão de 1975 os acontecimentos desenvolveram-se com muita rapidez e tudo se precipitou. No exército e na força aérea a confusão e falta de direcção política e militar era constante, enquanto na Marinha havia uma direcção política e militar fiel aos valores do 25 de Abril.
O 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo Contra-revolucionário. A sua preparação, como dizíamos anteriormente, começou muito antes das insubordinações e sublevações militares do “verão quente” de Outubro e Novembro de 1975.
Talvez que as mais esclarecedoras informações dessa preparação em curso muitos meses antes de Novembro sejam as que dá o comandante José Gomes Mota no seu livro, hoje esquecido ou guardado nas estantes, A Resistência. O Verão Quente de 1975, Edições Jornal Expresso, 2. Edição, Junho de 1976.
Mário Soares e o PS representaram um papel importante nas acção preparatória do 25 de Novembro, já que os partidos da direita não tinham condições de tomar a iniciativa, acantonando-se e atrelando-se à acção do PS, como foi exemplo a Manifestação da Fonte Luminosa.
Daí que os vencedores do 25 de Novembro e aqui referimo-nos essencialmente à Marinha não perderam tempo.
Os oficiais fiéis ao antigo regime, que até aí conspiravam na clandestinidade, tomaram a direcção política e militar da Marinha e rapidamente expulsaram, perseguiram, interrogaram e prenderam oficias, sargentos e praças pelo simples facto de defenderem os valores de Abril, o MFA, a Democracia e a Liberdade.
Em concreto na Marinha, no dias subsequentes ao 25 de Novembro, alguns militares são presos, são expulsos 350 Praças do Serviço Militar Obrigatório, diversos oficiais e sargentos vêem a sua carreira prejudicada e, 57 Praças dos Quadros Permanentes, alguns com 15 e mais anos de serviço na 1ª Classe de comportamento, com perspectivas já confirmadas através de cursos frequentados ao prosseguir as suas carreiras na Classe de Sargentos e Oficiais, são pura e simplesmente afastados da Marinha, com a acusação de que exerceram funções de destaque na CDAP, no MFA e na CDEA.
O crime de que estes militares foram acusados tem a ver com o facto de defenderem o MFA, o Associativismo, a construção de uma nova e melhor Armada e um Portugal livre e democrático.
Tivemos de esperar 25 anos para que parte desta injustiça fosse reparada.
Dizemos parte, porque nem os que foram reintegrados conseguiram recuperar o tempo perdido ao serviço da sua Pátria, nem, até hoje, as 350 Praças do Serviço Militar Obrigatório, igualmente expulsas, tiveram qualquer reparação dos danos que lhe causaram, onde sobreleva o facto de não terem tido oportunidade de decidir se queriam ou não continuar a servir a Marinha de Guerra Portuguesa e progredir na carreira militar.
Estes acontecimentos, já hoje históricos, que pertencem ao nosso tempo, nos quais fomos parte activa, nunca poderão ser esquecidos.
Daí dizermos, com alegria, não o escondemos, que estamos muito orgulhosos de termos sido parte activa e empenhada na Construção do Portugal de Abril.»
José Saraiva Brinquete


6 comentários:

  1. Agora estou com um pé fora de casa, vou ver mais tarde o programa da RTP até ao fim, que já comecei a ver e achei muito interessante. Gostei de ver o Otelo já velhinho, mas com uma voz bem firme.

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    1. Teresa
      Veja e reveja.
      Eu tive mais gosto em saber
      coisas... ainda que muitas
      terão ficado por contar...
      ... e por isso acrescentei um texto
      a que por certo não irá passar cartão!

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  2. Interessante. Vou tentar ver também esta emissão.
    Do 25 de Novembro que senti na pele, recordo bem os três ou quatro dias de clandestinidade que vivi, com uma filha pequenina nos braços e outra na barriga, embora ainda o não soubesse. Era casada e tanto o meu pai quanto o meu marido eram militantes activos do Partido Comunista Português e muito conhecidos neste bairro. Lembro-me que o nosso controleiro era o João - não me recordo do apelido - que veio indicar-nos que abandonássemos as nossas casas e nos escondêssemos na casa de um casal amigo que recentemente tinha vindo morar para o bairro...
    O resto tem pano para mangas que não cabem numa caixa de comentários.

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  3. Foi uma época deveras estranha, cheia de ambiguidades que não cheguei a entender bem!

    Abraço

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    1. Não estás só nesse não entendimento... Sobretudo quando tem havido em mistificar e omitir...
      A seu tempo,
      haverá mais amplo entendimento.

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