10 novembro, 2020

Da minha janela - 6 (ou aquilo que eu não disse ao meu neto...)

 

Estava ali especado há tanto que o Miguel não se conteve com um "Então, avô?" ao que eu lhe respondi que era frequente eu estar à janela a escrever e quanto é mais fácil, depois, ir ao meu espaço e passar a limpo.  

Apetecia-me dizer-lhe que contrariamente ao que ele poderá pensar, as janelas não servem só à contemplação. Apetecia-me dizer-lhe o que é possível ver de uma janela. O que nos diz uma rua, uma praceta, mil telhados e a sarjeta. Dizer-lhe como nos fala uma trepadeira, o que nos canta uma árvore e como nos sussurra a palmeira. Apontar-lhe o rio que me passa diante do pensamento e que raramente transborda as margens físicas, de tão acalmado correr e explicar-lhe que o meu pensamento não é assim tão calmo e sossegado pois frequentemente me inunda o sonho e, embarcando nele, como chego muito para lá do horizonte...

Ia a dizer tudo isso ao Miguel mas contive-me a tempo... É cedo para que entenda e aprenda a ver da minha janela. 

Talvez amanhã...

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Texto reescrito a partir de um outro que conta mais de dez anos

5 comentários:

  1. Da janela do seu quarto ou sala tem uma bela vista, Rogério.
    Com tanto motivo de encanto, só não encontra inspiração na paisagem quem não souber sonhar.
    E o Rogério sabe.
    Bonito texto poético.

    Um abraço duplo. :)

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  2. Pelo que vejo, a tua palmeira continua bonita :) O Rhyncophorus ferrugineus poupou-a.

    Talvez amanhã o Miguel entenda melhor o azul do rio-já-mar, as palavras veladas da trepadeira e o sussurro da palmeira. Ainda é cedo, tens razão.

    Forte abraço!

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  3. És um privilegiado com tanta beleza em frente.
    Quando comprámos a casa há mais de 50 anos víamos as serranias ao longe, agora tenho uma floresta de cimento diante dos olhos.
    Malhas que o urbanismo mal amanhado tece!

    Abraço

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  4. Que bonita crônica !
    E certamente o neto com a raiz poética do avô entenderá toda a beleza contida nessa janela.
    Não será preciso dizer muito.

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  5. Olá, Rogério, fui lendo e descendo as postagens e parei nesta, leve e bonita conversa com o neto! Sim, janelas servem para contemplação enquanto vêm muitas reflexões sobre a vida, sobre nosso país, nossa família, nossos sonhos, e daí tiramos o que vale a pena realmente vivermos, pois as decepções são muitas, navegando um pouco na solidão de nossa janela, chegamos fácil às conclusões. Aqui, no meu país a coisa está decepcionante. Mas temos de dar o valor que merecem, nem menos, nem mais. Assim achamos o equilíbrio.
    Abraços. Bom domingo!

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