30 novembro, 2020

«...E nada há de mais divino para o homem do que meditar na sua mortalidade …. perceber que o nosso corpo não é uma morada fixa, mas uma estalagem onde só se pode permanecer por breve tempo…..»

 «A virtude subdivide-se em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões adequadas, dar a cada um o que lhe é devido. Concebemos assim as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça, cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir de quê, então, concebemos nós a virtude? O que no-la revela é a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus actos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências. A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma. E como é que este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer-te.

O homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da fortuna, nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada. Não se revolta ante as desgraças como se elas fossem um mal originado pelo azar, mas como uma tarefa de que ele é encarregado. «Suceda o que suceder», — diz ele — «o caso é comigo; por muito áspera e dura que seja a situação, tenho de dar o meu melhor!» Um homem que nunca se queixa dos seus males nem se lamenta do destino, temos forçosamente de julgá-lo um grande homem! Tal homem dá a conhecer a muitos outros a massa de que é feito, brilha tal como um archote no meio das trevas, atrai para junto de si todas as almas, dada a sua impassível tranquilidade, a sua completa equanimidade para com o divino e o humano. Tal homem possui uma alma perfeita, levada ao máximo das suas potencialidades, tal que acima dela nada há senão a inteligência divina, uma parte da qual, aliás, transitou até este peito mortal. E nada há de mais divino para o homem do que meditar na sua mortalidade, consciencializar-se de que o homem nasce para ao fim de algum tempo deixar esta vida, perceber que o nosso corpo não é uma morada fixa, mas uma estalagem onde só se pode permanecer por breve tempo, uma estalagem de que é preciso sair quando percebemos que estamos a ser pesados ao estalajadeiro.»

Séneca, in “Cartas a Lucílio”

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Nota: Este post é cópia quase integral do que foi publicado no Bulimunda's Blog, espaço que sigo há muito!

16 comentários:

  1. "Epistulae morales ad Lucilium" vale a pena ler, mesmo quando Séneca não é o filósofo favorito.

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    1. Não sou assim tão esquisito
      Para mim, todo o filosofo
      é favorito
      pois não enjeito
      nenhum pensamento

      (Marx é alemão...)

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    2. Já que não és esquisito, Rogério, gostas também de ler a filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel Friedrich Nietzsche Martin Heidegger???

      Como comunista, tinhas que gostar de ler o homem de Triestre.

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    3. Faltam as vírgulas a separar 3 alemães com um filosofia tão diferente do vosso Marx, embora ele fosse muito influenciado pela filosofia de Wilhelm Friedrich Hegel.

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    4. Teresa, querida amiga, passa o tempo a fulanizar a coisa... vai-me buscar o fulano, o beltrano e o sicrano e passa ao lado do conteúdo... ainda há-de chegar o dia em que vá directa ao assunto...

      Mas, como não enjeito nenhum pensamento também dou atenção ao seu!

      Voltando a Séneca: "O homem perfeito, possuidor da virtude, (...) nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada."

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    5. "O homem perfeito, possuidor da virtude, (...) nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada."

      É nos tempos que correm 'café frio'.
      Eu proveito sempre o melhor e enfrento de pé o pior que possa acontecer.

      Se não me dás a liberdade de comentar como me der na real gana, Rogério, deixo de comentar!!!!!!!!

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  2. A propósito da partida de Eduardo Lourenço, este teu post? Mera coincidência?

    Abraço!

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    1. Quando fazemos recurso ao pensamento ajuizado todas as coincidências são possíveis! Né?

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    2. Li que por decisão do primeiro-ministro, amanhã, quarta-feira, é dia de luto nacional.

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  3. Recordando Seneca.
    Gostei bastante do que li.
    beijinhos
    :)

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    1. Ambos gostamos de poemas, mesmo que estes não lhe revistam a forma.
      Séneca também gostaria de te ler...

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  4. Gostei do que li. Não conheço nada da literatura dos filósofos gregos e romanos.
    Abraço, saúde e bom Dezembro

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    1. Por vezes é preciso ir beber a fontes antigas
      para ter presente que somos humanos...

      Séneca é meu irmão

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  5. "Muitas coisas não ousamos empreender por parecerem difíceis; entretanto, são difíceis porque não ousamos empreendê-las."

    Sêneca assim também escreveu e eu com ele concordo.

    Um beijinho amigo Rogério

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    1. Como se ajusta "meu pássaro azul"
      teu comentário ao meu texto, reforça a minha intenção

      (que bom, o teu regresso!)

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