04 agosto, 2010

Chamaram-lhes namban-jin - II

No meu post anterior escrevi coisas que a mim próprio espantaram, nunca me tinha sentido namban-jin. Senti que uma chamazinha, que normalmente existe em mim fraca e trémula, cresceu iluminando-me uma história esquecida. Também a Ana Paula Fitas sentiu tal chama, inserindo-me no percurso da "Nossa Candeia". Por tudo isso, continuo hoje, por "Terras do Sol Nascente"...

Não se julgue que foi com manhas e tretas ou por intuitos belicistas que de pronto industriamos os "japões" na arte de matar, vendendo-lhes armas. Só quem do Japão tem conhecimentos limitados tal pode pensar...
Pasmo por saber que, quase em simultâneo com o manejo das armas, também de pronto, lhes fornecemos a técnica cirúrgica de extrair as balas. Isto é, demos a receita com a maleita e não só: "Compreendemos que os japoneses que regulavam a saúde do corpo pelo equilíbrio do espírito também se tenham deixado deslumbrar por alguém que era perito em extrair balas de mosquete e outras cirurgias, em sarar feridas e aliviar lepras. Assim, veneravam Luís de Almeida, por essa e prática e ensinamentos o que viria a fazer criando o primeiro hospital no Japão".
-nas na medicina demos cartas. Demos cartas, cartas a valer, daquelas que
Mas não apenas na medicina demos cartas. Demos cartas, cartas a valer, daquelas que ensinam a navegação. A este propósito José Manuel Garcia * escreve: “Os japoneses obtiveram importantes conhecimentos da geografia da Terra graças aos portugueses, que em alguns casos eles copiaram. Aceitaram com facilidade que a terra fosse redonda e perceberam bem o papel dos portugueses na junção por caminho marítimo dos vários continentes”.

Mas levámos também coisas belas, de admirar. Neste texto, "insinua-se" que terá sido obra de portugueses pôr no Japão o primeiro pavão. Não, não falo em ter chegado com ar pavoneado. Falo de pavões, daqueles que abrem as caudas em lindo e colorido leque e que tanto agradaram, particularmente aos seus artistas, que os tinham.
A cadeira também lá chegou . Foi por nossa mão. "Em 1581, Oda Nobunaga, o grande guerreiro que iniciou a reunificação política do Império e que manteve uma relação amistosa com os Jesuítas, fez-se passear numa parada em Kyoto numa cadeira de estado em veludo, que lhe havia sido oferecida pelos missionários. Objecto nunca antes visto no centro do Japão, a cadeira dos portugueses realçava o poder do senhor da guerra".
Assim, não foram só traquitanas e quinquelharia, aquilo que levámos àquele povo. Levámos tudo o que disse terem levado, mais coisas que sei que levaram e aqui não há espaço para dizer e mais ainda. Levámos a cozinha tradicional portuguesa, demos a conhecer o açúcar (que povo não ficaria, por isso, eternamente grato?), "demos a receita do tradicional pão-de-, ou pão de Castela. Os japoneses que o provaram e apreciaram na altura refinaram a receita ao longo de mais de cinco séculos e o resultado é o castella ou kasutera, uma sobremesa típica do Japão e a especialidade de Nagasaki".
Impressionadíssimo, mandei cartas, telexes, mails e msm´s perguntando o que os portugueses viram naquele povo para se portarem assim. Só ontem obtive resposta:
    • Em carta que me foi enviada de Kagoshima (1549) S. Francisco de Xavier, descreve os japoneses, assim*: “A gente que até agora temos conversado, he a melhor que ate agora está descoberta, e me parece que entre gente infiel não se achará outra que ganhe aos japões. He gente de muy boa conversação, geralmente boa, e não maliciosa (…)e estimão mais a honra que nenhuma outra cousa: he gente pobre em geral e a pobreza entre os fidalgos não a tem por afronta… estimam mais a honra que as riquezas”.
    • Também Claude Lévy-Strausse* me respondeu, dizendo que foi por reconhecermo-nos neles. Escreve ele *: “A simetria que se reconhece entre as duas culturas, une-as, opondo-as. Surgem ao mesmo tempo semelhantes e diferentes como a imagem simétrica de nós mesmos reflectida num espelho”.
    • Akira Miwa, embaixador do Japão em Lisboa, foi outro que me respondeu. Concedeu-me uma entrevista. Pela importância do que me disse dedicar-lhe-ei todo o meu próximo post...
Nos dias de hoje, nos bancos das escolas japonesas, fala-se nessa passagem dos portugueses e em muito de tudo isto, na interrupção de uma relação das duas culturas, do que lá deixámos e o que por lá foi feito. Eles sabem muito de nós e nós sabemos tão pouco deles. Sabemos até muito pouco da importância do que por lá fomos fazendo, desperdiçando um capital de relação tão importante. Fazemos isso, damo-nos ao luxo de desperdiçar a estima de um povo...
CONTINUA
(*) As citações referem-se a um artigo publicado no Expresso e não disponível na versão on line

18 comentários:

  1. Gostei tanto que tive que divulgar...espero que não se importe...espreite o post mais fresquinho do Banzai...
    ABRAÇOS

    ResponderEliminar
  2. Estou só à espera do último para fazer link.

    ResponderEliminar
  3. Fiquei muda de espanto quando li a reportagem no Expresso. Não tinha a noção de que a presença portuguesa tinha sido tão marcante no Japão. Interessante é o facto de os japoneses terem aceite pacificamente que a terra é ronda, sem terem necesidade de queimar ninguém na fogueira.... feitios.

    :))

    ResponderEliminar
  4. Amigo Rogério!

    Aprendi hoje aqui muita coisa!!!
    Tal como já alguém antes de mim disse, não fazia a mais pálida ideia da importância dos portugueses no Japão...

    Espero pela finalização para um comentário mais sério :)))

    beijinhos

    ResponderEliminar
  5. Desperdiçar, não será o único verbo que, neste momento, melhor define Portugal?

    Podíamos aprender tanto com um país que, completamente, destruido pela guerra,conseguiu renascer das cinzas em poucos anos.
    Por cá, vamos conseguir mostrar como se consegue destruir um país.

    Bjos

    ResponderEliminar
  6. Olá, Rogério!
    Cheguei aqui através do blog da Margarida, o Banzai.
    Muito bom conhecer seu blog, viu?
    Beijos na alma!

    ResponderEliminar
  7. Rogério

    Se o meu caro não entendesse isto como uma forma de bajulice, dir-lhe-ia que o "Conversa Avinagrada" é o melhor blogue que vou visitando apesar de andar, com o tempo assim muito para o limitado. Naturalmente que tambem visito outros excelentes blogues. Mas a forma como o Rogério trata os mais variados assuntos tem uma criatividade e sobretudo obriga-nos a puxar pela cabeça e usar toda a nossa capacidade de aprendizagem.

    Ao ler os seus posts vem-me à cabeça o titulo de um livro (não faço ideia de quem o escreveu)
    "Aprender, Aprender, Sempre).

    ResponderEliminar
  8. Olá
    Vim conhecer o seu blog, através do Banzai. Gostei muito
    Te sigo
    Um abraço

    ResponderEliminar
  9. Bom dia!

    Muito bom o texto e a história narrada. Pude perceber que os portugueses não tiveram importância somente no mundo ocidental... as navegações levaram a cultura portuguesa para todo o mundo...

    Adorei sei blog e vim por indicação do Banzai!

    Grande abraço,
    Michelle

    ResponderEliminar
  10. Olá, vim fazer uma visita através da querida Margarida do Banzai.
    A história apresentada é muito interessante, fico aguardando com ansiedade a outra parte...
    Abraço

    ResponderEliminar
  11. Olá amigo Rogério! Fico super feliz por ver aqui alguns dos meus muito queridos amigos...a Meri que é uma alma genuinamente boa, o Wanderley que publica textos interessantes, a Michelle que adora poesia e é uma ternura, a Denise do Tabeteimasu, um blogue de comer e chorar por mais...
    E agora uma pequena multidão á espera da terceira parte...espero que a consiga ler antes de partir para...ah, não digo...ainda é segredo!
    ABRAÇOS

    ResponderEliminar
  12. Meus caros
    Querida Margarida

    Queria vir. Regressar do Japão...
    Vir tratadar de assuntos em suspenso. Contudo, a minha atitude de última hora aqui em Nagasaki, faz-me retardar esses compromissos.

    Claro que estou contente
    de ver tanta gente
    gente amiga, assim penso,
    a si, lolipop, o devo
    e por isso lhe agradeço

    Abraços

    ResponderEliminar
  13. Caro Rogério :)
    OBrigado pela gentil referência que é, aliás, bem merecida dado o interesse da história cultural de Portugal que, infelizmente, é tão mal-conhecida e que, também pelo meritório contributo que constitui, merece o nosso incondicional aplauso (e isto sem "ligar nenhuma" a essa coisa do "ribas"(?))... :)
    Um grande abraço amigo.

    ResponderEliminar
  14. Cara Ana Paula Fitas
    (e não ribas)

    Acredito que terei feito um bom post, pois só isso lhe terá feito ultrapassar a rejeição, mais que justa, de uma troca de nome.
    Se me visse, veria que corei de vergonha...
    As minhas desculpas!
    (se me trocassem o nome...)

    Abraço Amigo

    ResponderEliminar
  15. Obrigado Alexandre

    Não vou perder...
    Irei ver!

    ----

    Já fui, gostei
    e também comentei

    Abraço

    ResponderEliminar
  16. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar