03 julho, 2011

Homilias dominicais (citando Saramago) - 38

Ontem, quando no meu texto fazia um link para denunciar uma omissão (modalidade de mentira muito utilizada para manipular a verdade), sem que tal esperasse, uma minha muito amiga escrevia: "eu não sei, confesso. mas, acredito que foi melhor sabermos já, aquilo que nos espera... não acha? estou farta de mentiras, do "está tudo bem"... e do "afinal, está muito pior do que alguém poderia imaginar"... sinto-me perdida. cada um pior que outro. mas, sinceramente, continuo a preferir a verdade o mais cedo possível.". Ora, no caso vertente, a verdade que ela reclama conhecer (e julga que passou a conhecer) o mais cedo possível, poderia ter custado a eleição do actual primeiro ministro, agora em função. A verdade nua e crua, como ela quer, não a vai ter. É contra-natura de certa forma de exercer o poder. Por outro lado, é cedo para o discurso do sucesso das politicas seguidas. É cedo para repetir essa mentira, pois ainda estamos na maré de dizer o que é, quase com a garantia de não ir ser como se diz que irá acontecer. Sobre estas coisas, proponho uma reflexão sobre o entendimento dessa miríade ansiada, mas de nós tão afastada: a verdade. Tal como a via José Saramago:

HOMILIA DOMINICAL

"(...) não o esqueçamos, assim como as verdades puras não existem, também não existem as puras falsidades. Porque se toda a verdade leva consigo, inevitavelmente, uma parte de falsidade, nenhuma falsidade o é tanto que não veicule uma parte de verdade. A falsidade contém, portanto, duas verdades: a sua verdade própria («Se eu sou falso e digo que o sou, digo uma verdade»), e a verdade outra de que acaba por ser veículo, voluntário ou involuntário, e leve ela, ou não leve, por sua vez, uma parte de falsidade. Convenho que a clareza, tanto a do pensamento como a da expressão, não abunda no que acabei de escrever, mas a culpa não a tenho eu, a vida é que não é clara."


José Saramago, in "Detalhes"

12 comentários:

  1. Entre as verdades e as mentiras, a vantagem da experiência de vida é uma visão maior... para ver as probabilidades ;)

    Bjos

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  2. Caro Rogério
    Levanta de facto uma questão interessante. As várias verdades. Embora eu pense que a verdade é pura e simplesmente a verdade.Na política aquilo que hoje é uma verdade às vezes absoluta uns dias depois deixa de o ser.
    Embora concorde com Saramago creio que Aleixo naquela pequenina quadra disse o que podemos entender.
    Não querendo ser longo Deixo um exemplo. Com o roubo do 1/2 Perú as finanças publicas arrecadam 800 milhões de euros. Verdade se só olharmos para aqui. Se olharmos para quanto as finanças publicas vão perder através da quebra de receitas nomeadamente do iva, pelas transações que vão decrescer drásticamente no período de Natal, verificamos que basta uma máquina de calcular made in China para perceber a mentira em que se traduz o valor apontado.

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  3. Bastava não ter dito o que disse no dia 1 de Abril...mas como era Dia das Mentiras...:-))

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  4. "A vida é que não é clara"

    porque sempre tem a verdade, a mentira e a coluna do meio...

    Rogério, adorei sua definição de omissão.Ouço muito dizer hoje em dia que omitir não é mentir. Mas pra mim é exatamente isso que citou!

    Estou abobada com os detalhes do desenho de Saramago! Fantástico!
    Que artista!

    Um beijo, meu querido amigo!
    Boa semana!

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  5. Lembrando Nietzsche, a verdade é um ponto de vista, logo sujeita às particularidades que definem quem a proclama.
    Visto isto, parece claro que sobre um mesmo assunto, a minha verdade pode ser diferente da verdade do outro.
    Esta subjectividade esta patente nas palavras de Saramago.
    É triste que os portugueses, quase que inconscientemente, coloquem a etiqueta "verdade" naquilo que de pior nos é apresentado como se se tratasse de um destino... Feito por encomenda, este, por quem bem conhecemos!

    L.B.

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  6. Querido Rogério

    A verdade, a busca dela, qual o seu conceito, implicações e consequência remonta uma das principais dúvidas filosóficas da Humanidade, sendo que nunca se terá algo certo.
    O que se percebe são juízos de valores, que de tempos em tempos, de grupos em grupos ou de mentes em mentes vai se transformando e coroando novas atitudes como verdadeiras. Na vida social a verdade e a mentira pura não existem como já foi referido e tenho que a mistura é tão homogênia que a separação se torna muito difícil.
    Um grande bj querido amigo

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  7. Uma dissertação sobre a verdade e a falsidade embora curta e não muito clara, como o autor referiu, vinda de quem vem, merece a nossa mais atenta leitura e uns bons momentos de reflexão. Mesmo que de luz apagada, eu diria mesmo, preferencialmente de luz apagada, para que fiquemos mais em sintonia com a falta de clareza da vida. Sugiro-me a mim próprio, passe o pleonasmo, refletir sobre não a falta de clareza da vida, mas sim a falta de claridade. Há tão pouca coisa transparente. E acho que não estou a dizer nenhuma mentira.

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  8. Parece-me ser já uma quinta vez que chego aqui leio e fico calado.
    Comentar o quê ?
    A tua verdade ?
    A minha mentira ?

    Há uma leve fronteira entre as duas e os políticos sabem aproveitar isso com genial arte de nos enganar a todos.

    Verdade ou mentira gostaria que existissem não políticos de fato e gravata, Carros e discursos de palavras vazias, mas que existissem portugueses de alma e fibra portuguesa. Capazes de trabalhar pelo bem colectivo e não pela defesa de interesses obscuros e de meia dúzia de espertalhões que se abotoam com o que resta deste país.

    O meu forte não é a política e o que eu gostaria não coincide com
    «Os altos desígnios da Nação» dizem eles com os olhos nas leis e na força dos euros..........

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  9. Caro Rogério
    Verdade em politica, mas isso existe? Onde está ela que não a ouço, não a vejo, só vejo troca tintas, qual deles o melhor venha o diabo e escolha.
    desculpe o mau feitio.
    Beijo

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  10. Eu já vi um cego chorar

    lágrimas vivas

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  11. as verdades também se fabricam. e vendem-se com bom lucro, tens razão!

    abraços

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  12. Políticos! Quem se convence(u) que este seria diferente do(s) outro(s)? Só mesmo quem se quis convencer.

    Reflexão belíssima a de Saramago (como sempre)

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