18 março, 2012

Homilias dominicais (segundo Saramago) - 75

Há dois anos, quase, sabia pela imprensa que Pilar del Rio anunciava ir a Fundação Saramago propor o juiz Garzón para prémio Nobel da Paz. Ontem um amigo me convidava a reforçar proposta idêntica. Segui sem hesitar essa sugestão e, no mesmo acto, repliquei a sugestão a dezenas de amigos meus, pensando engrossar a essa cadeia de reconhecimento. É cedo para ter a percepção do sucesso, não só da minha participação, mas do resultado global. Verdade se diga, nem estou muito preocupado em saber se irá ou não por diante a candidatura e, a ir, se Baltasar Garzón virá a ser nobelizado. Por vezes basta-me  saber que alguns caminhos estão a ser percorridos e que eu fiz o que acho que é digno de ser feito.
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HOMILIA DE HOJE

"As lágrimas do Juiz Garzón hoje são as minhas lágrimas. Há anos, a um meio-dia, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares. Ou melhor dito, por juízes que nunca processaram Pinochet nem ouviram as vítimas do franquismo.Garzón é o exemplo de que o agricultor de Florença não tinha razão quando, em plena Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça havia morrido. Com Garzón sabíamos que as leis e o seu espírito estavam vivos porque as víamos actuar. Com o afastamento de Garzón os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede. Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente." - In O Caderno de Saramago, publicado a 14 de Maio de 2010 

Saramago a Garzón: os sinos voltam a dobrar 
"O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”, foi a resposta do camponês. “Mas então não morreu ninguém?”, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça, porque a Justiça está morta.”  - Carta de José Saramago, ao FÓRUM SOCIAL MUNDIAL - 2003

7 comentários:

  1. Caro Rogério
    Raramente me escapa um post seu. Por vezes digo algo, nem sempre de acordo (uma questão dialéctica) outras vezes até sou inconveniente, reconheço.
    Hoje subcrevo por inteiro as suas palavras, mais as do "nosso zé".
    Abraço
    Rodrigo

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  2. Morta sim, enterrada talvez não!
    Será possível um milagre?!

    Abraço

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  3. Saramago, sempre do lado solar das coisas porque sempre integro e justo.

    L.B.

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  4. Pois se está morta há tanto tempo, natural que cheire mal!

    Boa semana, já desconstipado, rrss

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  5. ola
    visit from Turkey
    boa semana

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  6. Subscrevo totalmente tudo o que aqui está escrito, o que escreveste tu e Saramago.

    A acusação de Pinochet é sem dúvida um marco na justiça, embora tenhamos todos pena que não tenha sido feita mais cedo.

    Como por vezes escreves à velocidade da luz, só hoje consegui estar presente neste post, mas não podia deixar de apoiar e também já subscrevi a petição referida.

    Beijos
    Branca

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