"A crise. Será que vamos voltar à praça ou à universidade? À filosofia?"
Ninguém, ou quase ninguém, deixou de pelo menos aflorar a iniciativa de um dos homens mais ricos do país e da dimensão do desconto por ele dado. Muitos foram os que caíram em cima de quem correu a encher despensas, gavetas e armários com todo o rol de coisas e artigos mesmo até os desnecessários... Não, não me interrogo sobre se os irão consumir ou usar, falo de necessidade de os vender, doa a quem doer (e a maior dor está em quem os produz)... Queira-se ou não saber como se estruturou o desconto, sobre quem pesou, sobre as razões e consequências de tão grande campanha, que, para os mais clarividentes, é mais que isso - registe-se que toda a nossa vida tende a limitar-se a este jogo do consumo. Dava para escrever um livro, se tal romance não estivesse já escrito. Um romance de critica severa ao regime de opressão, de barbárie... Sinto que vivemos onde a alegoria do escritor nos colocou:
HOMILIA DE HOJE
"Cipriano Algor tinha as mãos a tremer, olhava em redor, perplexo, a pedir ajuda, mas só leu desinteresse nas caras dos três condutores que haviam chegado depois dele. Apesar disso, tentou apelar à solidariedade de classe. Vejam esta situação, um homem traz aqui o produto do seu trabalho, cavou o barro, amassou-o, modelou a louça que o encomendaram, cozeu-a no forno, e agora dizem-lhe que só ficam com a metade do que fez e que lhe vão devolver o que está no armazém, quero saber se há justiça neste procedimento."
José Saramago, in "A Caverna", pág. 22-23
"A mentalidade antiga formou-se numa grande superfície que se chamava catedral; agora forma-se noutra grande superfície que se chama centro comercial. O centro comercial não é apenas a nova igreja, a nova catedral, é também a nova universidade. O centro comercial ocupa um espaço importante na formação da mentalidade humana. Acabou-se a praça, o jardim ou a rua como espaço público e de intercâmbio. O centro comercial é o único espaço seguro e o que cria a nova mentalidade. Uma nova mentalidade temerosa de ser excluída, temerosa da expulsão do paraíso do consumo e por extensão da catedral das compras. E agora, que temos? A crise. Será que vamos voltar à praça ou à universidade? À filosofia?"
José Saramago, in "Outros Cadernos de Saramago" - Abril.2009
Caro Rogério
ResponderEliminarAqui está um bom exemplo de que não é preciso falar muito na "coisa" para perceber a coisa toda. Não imagina como foi certeiro, as suas palavras fundem-se com as de Saramago e é dificil separá-las.
Abraço
Rodrigo
Como um labirinto onde todas as saídas vão sendo estrategicamente fechadas, de modo a que, aos passantes, não reste senão a "prisão".
ResponderEliminarE resulta!... Por incrível que pareça, a alienação colectiva está aí. O consumismo é já declaradamente um vício difícil de tratar.
Um beijo
1 - Os hipers ficam com o stock todo. A um preço injusto, para nos venderem a um preço especulativo. Os exemplos propagam-se. na sexta feira comprei sardinha na praça. Não num hiper. Na praça mesmo, na "minha" peixeira. Paguei a 4,00 € o kg. No hiper estava a 2,80 €. O armador/ pescador recebeu 0,20 € por cada kg.
ResponderEliminar2 - Quando eu andei no liceu, nos anos 60 e 70 do século passado, chovia-me na sala de aula. Na rua chove e faz sol. Não faz sol quando está frio, nem chove quando há seca. Chove e faz sol e pronto. No Centro Comercial há ar condicionado.
3 - Vamos lutar para que as catedrais voltem às ruas, sem o ar condicionado dos centros comerciais? Para que a "minha" peixeira não alinhe na especulação da cadeia de abastecimento? Não quero apenas voltar à filosofia, que me desculpe Saramago. Quero mais. Muito mais.
Espero que sim, Rogério, que voltemos à praça, à universidade e à filosofia.
ResponderEliminarMuito bom este post,todo ele.
Beijos
acho que vamos voltar à praça, mas vai levar muito tempo, pois são poucos os que chamam para lá.
ResponderEliminarEsta estória de Soares dos Santos foi patética e nem sequer tem inocentes!
ResponderEliminarUma boa semana
grato pela visita e pelo elogio exagerado...
ResponderEliminare vou passar mais vezes por aqui.