"Sei de um poeta normal a quem muitas vezes sucedeu não ser capaz de principiar o poema sem primeiro passar os olhos por versos de outros parceiros na arte, tendo, evidentemente, o cuidado de escolhê-los bons, para não correr perigo de contaminações mórbidas, isto é o que eu julgo. Comparando depois o que ele escrevera com o que tinham composto os colegas, via-se que não ficara o menor sinal de imitação, nenhum vestígio residual do estro alheio, nenhuma certificada metáfora que, transportada para o novo viveiro, ali ficasse a gritar plágio e ladroíce. Este de quem falo, poeta, se não me engana a amizade que lhe tinha, queria só aquecer a inspiração fria ao braseirinho ou alto lume que na página lida ardia inextinguível, ateado por mais criadoras mãos, da espécie prometaica. Se todos aprendemos com todos, não se atirem pedras à inocência".´
José Saramago, in "Páginas Politicas/Sujeitos Normais" - pág. 156
27 março, 2011
Homilias dominicais (citando Saramago) - 33
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Quando há 33 semanas atrás iniciei estas homilias, aceitando ser apóstolo de palavras que considero necessárias - ainda por cima, nobelizadas - estava longe de perceber que, difundindo-as, fazia crescer em mim o prazer de as semear. Aqui e em qualquer lugar. Tenho vindo a fazer, na condição de apóstolo, percursos na blogosfera em imaginária passarola e deixando, onde achei que devia de deixar, coisas escritas, embora nem sempre bonitas, pois na missão de mensageiro ouve-se de tudo e nem a tudo se deve passar ao lado. Numa das vezes, deixei num comentário sobre um poema belo, mas um tanto egoísta - pois há poetas que julgam que nesta coisas de almas o que conta é a sua - deixei o que então chamei "réplica". Aflita, a autora envio-me um mail dizendo-me, pesarosa, que lhe inquinara o poema que considerava muito importante, o poema da sua vida. Percebi-lhe a dor, pois alterara a perspectiva ao rumo de um filho seu (poemas são sempre filhos nossos). Respondi-lhe, apaziguador, que sentira o seu poema como um forte abalo e que não há réplicas sem que antes tenham existido tremores maiores. Que só há pequenos tremores (de alma) se for elevado o grau do tremor inicial. Fazia assim analogia com a ciência da sismologia aplicada ao texto poético e à própria poesia. Recebi por resposta um texto desembaraçado, fazendo-me acreditar passar a ser desejado. A partir daí, não há local que visite onde não deixe o troco: a um pensamento, devolvo outro; a uma piada, respondo com uma ironia; a um poema, respondo com uma rima; a um conto, acrescento um ponto. Acho que Saramago consideraria isto próprio de sujeitos normais, num mundo onde a normalidade vai rareando...
HOMILIA DOMINICAL
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33 semanas a relembrar Saramago é muito tempo, e é preciso ser-se mesmo muito dedicado ao nosso Nobel para continuar a escrever sobre ele.
ResponderEliminarTodos deixaram de o fazer, só ficou o Rogério, mas dá-me sempre grande prazer de ler estas suas homilias dominicais.
Para quem escolheu o nome de "Conversas Avinagradas" deixou palavras bem doces lá no meu espaço!
ResponderEliminarSou uma admiradora incondicional de Saramago...
A Passarola Voadora que identifica este blog é indiciadora de quem gosta de "voar"... :-))
Desculpe a falha do plural - Conversa Avinagrada...
ResponderEliminarSe bem li este seu texto, não entendo como é que alguém pode estragar um poema de alguém. Uma das marcas da poesia é dizer tanto que, cada um, aproveita, lê, sente, descobre, à sua medida e, a partir daí, já acrescentou mais alguma coisa e, também, "cresceu" mais um bocadinho.
ResponderEliminarSinta-se muito bem-vindo por lá. Sempre! Se, por vezes me calo por aqui, isso só tem a ver com as minhas limitações. Mainada.
:))))
Caro amigo:
ResponderEliminarTenho por hábito também, ler a poesia de pessoas que admiro, e também faço comparações com a que timidamente escrevo e fico sempre a perder obviamente :(
Destaco desta sua homilia uma grande verdade:
"Se todos aprendemos com todos, não se atirem pedras à inocência".
Quanto aos seus comentários em forma de poesia , prosa, ironia ou piada,continue, pois aprecio-os todos.
Bjos
Caro amigo,
ResponderEliminarse é que o posso tratar assim...
hoje a Minha Alma está dorida, não estou em condições de comentar o que quer que seja. No entanto, e apesar de não ser um admirador de Saramago, reconheço-lhe sapiência em alguns dos seus escritos, tal como a Fê gostaria de destacar uma frase que retive:
"Se todos aprendemos com todos, não se atirem pedras à inocência".
Bem haja, Rogério!
Forte abraço e boa semana para si!
É a primeira vez que aqui venho e gostei. Gostei de este seu texto. E gostei do seu acto de cidadania como entrada. Acho que vou passar por aqui mais vezes.
ResponderEliminarObrigada.
Oi Rogério!
ResponderEliminarAdoro quando vejo suas "réplicas" a textos meus!
Você realmente acerta na mão, sempre, e me deixa muito feliz.
Excelente a sua "analogia com a ciência da sismologia aplicada ao texto poético e à própria poesia".
Beijos
Carla
Como sabe, Rogério, a minha admiração por José Saramago ultrapassa os limites da literatura para se estender ao seu exemplo de vida. Mais uma vez pude constatar a enorme "religiosidade" (a palavra é dele)que o caracteriza na forma tolerante e solidária de olhar o outro.
ResponderEliminarSaiba o Rogério que, o que vai deixando nas minhas searas, é sempre encarado como "bom adubo" que enriquece e faz ampliar o meu ângulo de visão sobre o mundo, sobre as coisas. Gosto de tudo o que vem revestido de boas intenções e percebo-as em cada uma das suas palavras.
Peço desculpa por não conseguir fazer notar o meu apresso. Ele é factual e, não raras vezes, me deixa a reflectir sobre a minha forma de expressão.
Opto por não responder, sabendo de antemão que, por limitações de tempo, não poderia fazê-lo com todas as pessoas que, amavelmente, me deixam comentários.
Um beijo (envergonhado,pedindo desculpas)
Adoro, Saramago. E aprendi muito com a experiência dos outros, e valorizo muito tudo o que não aprendi, ou por não ter estudado o suficiente ou por ter descoberto que não tenho o talento suficiente, entre estes valores está a poesia, amo mas não me atrevo, sei que somo meros companheiros de jornada, eu no meu canto sem tentar ela por sua vez vem sempre me dar prazer.
ResponderEliminarTenha uma ótima semana
Abraços
Caro Rogério Pereira
ResponderEliminarVisitar o "Conversa Avinagrada" já não é um hábito. Já é uma necessidade. Quanto aí tenho aprendido. Não é exagero dizer que o meu caro construiu um blogue diferente e tem uma postura também fora do comum. Admiro o seu sentido crítico (mesmo quando nos dá umas porraditas). Os comentários que nos vai deixando fazem com que alguns e algumas bloggers ultrapassem alguns momentos de desalento.
O seu Papel na divulgação da obra de Saramago (especialmente trazendo para os nossos dias os seus “ditos proféticos” tem sido uma grande lição.
Abraço
Querido amigo Rogério.
ResponderEliminarEntendo o que dizes e acredito que é exatamente assim que tem que ser.
Quando lançamos a ideia, ela já não mais nos pertence, tem vida própria, já amadureceu e, como as pessoas, tem que seguir a sua própria vida. Réplicas, tréplicas, comentários, só ajudam nesse desenvolvimento, assim são, por mim, considerados essenciais. Leio os teus posts e os comento sempre que acho que algo tenho que acresentar. Gosto que leiam os meus e comentem porque ganho força para novas ideias que ainda irão nascer, ou ainda, fico feliz de enxergar novas nuances que não havia percebido na ideia que já saiu do meu domínio.
Assim, querido amigo, vou continuar por aqui comentando e apreciando muito que andes por lá deixando a tua opinião.
Quanto as minhas portas e paredes tenho a te dizer que esta ideia há muito faz parte dos meus pensamentos, um dia, quem sabe te explico melhor, por ora basta a discussão da ideia. Para mim, neste caso a parede é imprescindível.
Muitos e muitos bjs. e até o próximo
1 texto
ResponderEliminar1 poema
1 obra de arte
desde que exposta, não pode ser mais lido nem visto como o autor imaginou.
quem lê
quem vê tem outra alma, outros olhos e quem quiser ser absolutamente compreendido de acordo com os próprios critérios, deveria manter num baú seus escritos e obras.
No Brasil diríamos da poeta chorosa coberta de vinagre: fresca.
Caro Rogério
ResponderEliminarAndo cansada e com imenso trabalho, sem grande tempo para grandes viagens blogosféricas. Felizmente que a Maria do Sol aí em cima disse tudo o que eu gostaria de ter dito se para tanto não me faltasse o engenho e arte.
Abraço
Rogério
ResponderEliminarNão consigo postar um comentário.
Fiz várias tentativas. Não sei se é por ser extenso. Por sorte copiei-o. Vou agora tentar com isto.
Estimado Rogério.
ResponderEliminarGrata pelo seu convite que considero uma honra, por certo imerecida.
Confissão, por confissão, vou fazer-lhe uma relativamente a José Saramago.
Tive pouca sorte na primeira abordagem que fiz da sua leitura, há bastantes anos atrás. Comecei com o romance "Levantado do Chão", um dos primeiros do autor. Sabia que o livro versava sobre a vida de trabalhadores alentejanos e o meu interesse redobrou. Pois, até aí, nenhum escritor o havia feito, pelo menos que eu tivesse conhecimento.
Li páginas e páginas, sem que Saramago me conseguisse despertar o interesse. Acabei por desistir deixando, pela primeira vez, a leitura de um livro a meio.
A partir daí, comecei a dizer, como tanta gente, que não gostava dele e que a sua leitura era maçuda.
Nem mesmo o Nobel e tantos e tão polémicos romances por ele escritos, posteriormente, me fizeram aproximar.
Só quando comecei a visitar o seu blog, há uns meses atrás, voltei dar de caras com Saramago. Penso que deve lembrar-se que a minha reacção inicial não foi das melhores.
Dada a sua insistência e persistência e sendo eu uma leitora assídua do seu blog, aos poucos acabei por ir entranhando as ideias e ideologias do escritor.
Hoje, ainda não posso dizer que José Saramago me provoque desassossego ou inquietação. Contudo, já o vejo com outros olhos.
Relativamente às "réplicas" tão pitorescas e prazenteiras, que o Rogério vai deixando pelos blogues por onde passa, para mim é sempre um prazer recebê-las, acredite.
Aliás, também eu já tenho aqui deixado o ar da minha graça, replicando comentários seus no meu blog.
Inclusivamente, há um ou dois dias atrás, dei continuação a um verso seu, no blog "A Mangedoura".
A Homilia de hoje veio aproximar-me um pouco mais de Saramago, já que me demonstra que, também eu, sou uma pessoa normal, dentro do seu conceito de normalidade.
E, como todos aprendemos com todos, tem sido ao braseirinho poético do Rogério que eu tenho aquecido, muitas vezes, a minha inspiração, o que é normal.
Creio que perdi a noção do tempo e do espaço. Vou já publicar o comentário sem sequer o ler.
Obrigada Rogério, por ser como é.
Um beijo.
Janita
É caso para dizer:
ResponderEliminar" Yo no creo en brujas, pero qué las hay...hay!
o poema e o próprio texto só existe no acto da leitura.
ResponderEliminarquanto às réplicas , espero que não afecte uma fábrica nuclear.
um abraço
Nestes tempos conturbados, acho que Saramago vai fazendo cada vez mais falta nas nossas vidas mas, ainda bem, que temos o Rogério para relembrar o que ele nos deixou.
ResponderEliminarBjos
Meu caro
ResponderEliminarainda bem que trazes e divulgas
um Homem sem muros nem amos
mas que nunca traíu o mais profundo das suas convicções
Divulgar Saramago e o seu pensamento
é admirável
Grato
com abraço amigo
Que nunca te doa a sensibilidade
ResponderEliminarAbraço
"Liberdade. Passei a vida a cantá la, mas sempre com a identidade no pensamento, ciente de que é ela o supremo bem do homem. Nunca podemos ser plenamente livres, mas podemos em todas as circunstâncias ser inteiramente idênticos. Só que, se o preço da liberdade é pesado, o da identidade dobra. A primeira, pode nos ser outorgada até por decreto; a outra, é sempre da nossa inteira responsabilidade."
ResponderEliminar(Miguel Torga em Diário XVI)
;)
Meus caros e queridas,
ResponderEliminarFiz uma descoberta tardia
Os egos incham... e disso eu não sabia!
Continuarei mais deligente neste semear de palavras de Saramago, esperando que a colheita não tarde...
Obrigado
Eu aprecio imenso Saramago, como pessoa e como escritor. Embora o não ache perfeito, mas como ninguém o é...
ResponderEliminarAchoe também que quem se expõe na Net, tem que ter a noção de que pode agradar ou nem por isso.
Defendo, isso sim, é que assumida e educadamente cada pessoa expresse a sua autenticidade.
Um abraço.