24 março, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 30 ("é indiferente por onde e para onde vou. Posso, portanto, ter um guia cego")

(ler conversa anterior)
- Outra questão: quem se engana mais no caminho - aquele que não vê ou aquele que coxeia?
- Aí é fácil. O coxo não se engana no caminho, chega apenas mais tarde.
- É verdade.
- Se não tiveres pressa podes ter um coxo como guia.
- E se não te interessar para onde vais, podes ter um cego como guia.
- Para mim é indiferente se chego tarde ou cedo. Posso ter um guia coxo.
- Para mim é indiferente por onde e para onde vou. Posso, portanto, ter um guia cego.
- Para homens sem pressa, guias coxos. Para apáticos, guias cegos.
- Ora aí está.
Gonçalo M. Tavares, Noticias Magazine
- O passado é aquilo que vai acontecer depois de amanhã.
Idem, hoje

O sol, tímido, teimou em confirmar esta Primavera anémica e a esplanada a pouco e pouco se encheu. Mas é fácil evitar a pequena multidão, basta colocar os olhos vidrados ou dirigi-los ao chão. Nem sei a opção tomada, sei que hoje ninguém me dirigiu palavra (o que, intimamente, agradeci). 
Há dias assim... enquanto não chega a pequenina luz

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.

poema de Jorge de Sena (declamado ontem)

4 comentários:


  1. Este poema tem asas de condor e voa. Voa e "brilha, bruxuleia, ondeia..."

    Nada "inocente" a sua associação ao texto do G.M.T.

    O que tem de ser, será!

    Um beijo

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  2. Uma luz bruxuleante que os cegos "vêem" e os coxos "apanham".

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  3. Parabéns pela junção de um texto inspirado e inspirador e de um poema que nos mostra o caminho seguindo essa LUZ BRUXULEANTE.
    Uma luz que emana afinal de todos nós!

    beijinho e boa semana

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