13 fevereiro, 2022

HOMILIAS DOMINICAIS (citando Saramago) - 118 [a seca... que não seca o "cante"]

À hora que escrevo, está chovendo. Pouco, mas chove. E ocorrem-me imagens publicadas nas últimas semanas com reportagens desoladoras da seca, com imagens expressivas de como o cultivo intensivo sorve a pouca água que resta. 

Alentejo terra que já foi do latifúndio, posse dos grandes agrários passou para outra posse, ainda mais sem rosto nem rasto. De uma a outra posse, se ouviu a terra a quem a trabalha. Sonho de pouca dura... o pesadelo parece ter vindo para ficar e as formigas se quedam, de cabeça baixa (se é que ainda há malmequeres).

HOMILIA DE HOJE

 «(...) E então num sítio qualquer do latifúndio, a história lembrar-se-á de dizer qual, os trabalhadores ocuparam uma terra. Para terem trabalho, nada mais, cubra-se de lepra a minha mão direita se não é verdade. E depois numa outra herdade os trabalhadores entraram e disseram, Vimos trabalhar. E isto que aconteceu aqui, aconteceu além, é como na Primavera, abre-se um malmequer do campo, e se não vai logo Maria Adelaide colhê-lo, milhares de seus iguais nascem em um dia só, onde estará o primeiro, todos brancos e voltados ao sol, é assim como o noivado desta terra. Porém, estas brancuras não são, é gente escura, formigueiro que se espalha pelo latifúndio, a terra está cheia de açúcar, nunca se viu tanta formiga de cabeça levantada (...)»

da parte final de "Levantado do Chão"

O vídeo? Dá testemunho de que, seja qual for o futuro, o "cante" ficará na nossa memória, tal como Saramago!

 


13 comentários:

  1. Ainda me lembro "AVANTE, AVANTE COM A REFORMA AGRÁRIA!!!“

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  2. Cinco minutos de pura emoção, que me deixam com um nó na garganta, e lágrimas os olhos...

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    1. Ceifeira que andas à calma
      à calma, ceifando o trigo
      Ceifa as penas de minh´alma
      Ceifa-as, leva-as contigo

      Ainda haverá ceifeiras?
      Investiga onde há trigo! Vá!

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    2. Não há ceifeiras porque as máquinas as substituíram há muito.
      Sinais dos tempos evolutivos, meu amigo.
      Quanto à sua 'ordem' de JÁ!...Eu fui...Veja lá.

      Uma açorda comida por estes dias dificilmente será confecionada com pão de trigo alentejano. Em contrapartida, a possibilidade de ser temperada com azeite da região aumentou, e muito, nos últimos anos. Portugal importa mais de 1,1 milhões de toneladas de trigo e produz apenas 59 mil toneladas, 47 mil das quais no Alentejo e apenas cerca de sete mil no perímetro de rega do Alqueva.

      Paradoxalmente, com a entrada em funcionamento do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva a área ocupada pela cultura do trigo diminuiu e foi sendo substituída por outras mais rentáveis, enquanto os melhores solos foram ocupados por culturas permanentes, principalmente o olival. Na década que terminou em 2018, na zona de Ferreira do Alentejo, Beja e Serpa, cerca de 30 mil hectares migraram do cereal de sequeiro para o olival de regadio.


      Se calhar agora já entende o que eu quis dizer com o "Sol na eira e a chuva no nabal".
      Ou bem que temos azeite ou bem que temos trigo.
      Mas se ler o Diário do Alentejo, leia-o AQUI .

      Bêjos!


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    3. "Ou bem que temos azeite ou bem que temos trigo."

      Esse "temos" tem de ser corrigido
      Os espanhóis passaram a sacar de cá o azeite
      e nós, não só passámos a importar trigo
      como deixámos de ter ceifeiras
      e a ter de dispensar o sol nas eiras.

      Ah, e o "cante" passou a ser o ruído pouco harmonioso das máquinas que substituíram o varejo

      Informação adicional, o olival que existia há uma década atrás já dava e sobrava para o consumo interno.

      Bêjo

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  3. Sensibilizei-me ao ver o vídeo. Como não nos tocar o cante alentejano?
    O livro "Levantado do chão" foi para mim uma revelação de José Saramago e, ao mesmo tempo, um murro no estômago. Obrigada, Amigo por este momento.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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    1. Graça, Quando estive no Lavre, jurei a mim próprio ler o livro. Depois desse, li outros e não há texto de Saramago que não mexa comigo...

      Há 118 semanas que venho falando disso.

      Abraço e saúde, da boa!

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  4. Também me lembro de tudo; até de mim com a minha mai`velha escarranchada numa das ancas, no Couço, na apanha da azeitona...
    Todos tão orgulhosos, tão seguros do êxito da reforma agrária! Alguns de nós, os da cidade, esquecíamos o repouso do fim-de-semana e fazíamo-nos ao caminho para ajudar nas colheitas. A nossa habilidade era pouca, mas a vontade era muita.

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    1. Hoje, o olival está na posse de empresas de Espanha
      a apanha é mecânica
      por lá, já ninguém canta

      Ó oliveira da serra,
      o vento leva a flor.
      Ó oliveira da serra,
      o vento leva a flor.
      Ó i ó ai, só a mim ninguém me leva,
      Ó i ó ai, para o pé do meu amor.
      Ó i ó ai, só a mim ninguém me leva,
      Ó i ó ai, para o pé do meu amor.

      Ó oliveira da serra,
      o vento leva a ramada.
      Ó oliveira da serra,
      o vento leva a ramada.
      Ó i ó ai, só a mim ninguém me leva,
      Ó i ó ai, para o pé da minha amada.
      Ó i ó ai, só a mim ninguém me leva,
      Ó i ó ai, para o pé da minha amada

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    2. Por cá também já se não canta, a pouca habilidade esfumou-se e a vontade passou tomou a dimensão de uma bela memória...

      Abraço!

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    1. Cante que vai deixar de ser cantado ecoando nas searas
      Sobreviverá o ruído pouco harmonioso das máquinas

      Abraço triste

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