11 outubro, 2018

Saramago e a apropriação da sua memória


A imagem, à esquerda, é de Saramago. A da direita é da apropriação da sua memória. A imagem, à esquerda, é sem texto (pois meter nela tudo o que Saramago disse ou escreveu sobre o posicionamento dos partidos socialistas seria incomportável em tão magro corpo). À direita, a introdução do texto, é gesto obsceno.

Citemos Saramago:
"(...)A Comunidade é o Conselho de Administração de uma grande empresa chamada Europa, que tem produtores que são consumidores, consumidores que são produtores, e tudo isso planificado. A distribuição das tarefas, incumbências e obrigações é determinada por esse Conselho. A Comunidade decidiu, por exemplo, que 75% da superfície florestal de meu país será destinada à plantação de eucaliptos. Nós não decidimos. Decidiu uma potência supernacional. E decidiu sobre algo que até agora teria a ver com o que chamamos de soberania nacional. O mais interessante, porém, é o seguinte: o que antes parecia ligar-se apenas à economia, está se transformando em solução política para a Europa. Isto é, uma vez que a aplicação da política económica não pode ser decidida pelos governos nacionais, então é indiferente que os governos sejam conservadores, nacionalistas, capitalistas, socialistas, social-democratas ou liberais. Apagam-se as fronteiras do que chamávamos ideologias, porque isso não tem mais importância.
O mais importante – e eu diria, o mais trágico – é que se tira dos povos o direito de decidirem sobre o seu destino. Claro que nada no mundo é definitivo, e os povos sempre encontram as soluções melhores para os seus problemas. Mas o problema da hegemonia, que parecia resolvido com a Comunidade, não está. O que está ocorrendo agora é o surgimento da potência europeia do futuro, que será outra vez a Alemanha. A Europa será o que Alemanha decidir."
José Saramago - in "Quem é o patrão da Europa?"
(Publicado em Jornal do Brasil - 15 de Maio de 1992)
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NOTA: Não consta que alguém do partido a que Saramago  sempre pertenceu tenha sido convidado para as homenagens oficiais da celebração, quer na ilha, quer em Coimbra. Também as suas hormonas foram traídas, a ele, que por ironia, se definia como "comunista hormonal" ou, sem ponta de ironia, se manifestava onde sempre militou...

6 comentários:

  1. Sem palavras, Rogério.

    Entretanto, não fui autorizada a entrar no link do Jornal do Brasil, "Quem é o patrão da Europa?" Situação pontual?

    Abraço

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  2. Tens razão, o link (que já funcionou) não leva a lado nenhum. Mas em 2010, foi publicado
    também aqui

    https://www.josesaramago.org/quem-e-o-patrao-da-europa/

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  3. Uma publicação sublime:))

    Hoje, com: " Mélicos tormentos "

    Bjos
    Votos de uma óptima Sexta- Feira

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  4. Vou agora ao link que disponibilizaste, Rogério. Obrigada!

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  5. Todos o querem, agora. Houve tempos em que quiseram crucificá-lo. Não puderam. Há homens verticais como os altos pinheiros. Saramago não cabe em espaços delimitados,Saramago é da Humanidade.

    Lídia

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  6. "Saramago é da Humanidade"
    seja, embora, a Humanidade
    mais pequena que aquela
    que a sua era.

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