A Europa está fechada. Enquanto isso, 30 mil soldados
norte-americanos invadem o continente até Julho nas maiores manobras
militares em 25 anos. O que acontece na altura em que o presidente dos
Estados Unidos decide banir as entradas dos europeus no seu país. Em
pleno combate à pandemia de coronavírus, prioridade à guerra.
Enquanto
a Europa se vai imobilizando, minada pelo novo coronavírus, quase 40
mil efectivos da NATO estão a ser distribuídos através do continente com
o objectivo de testar a “mobilidade militar” e responder a “qualquer
ameaça potencial” – russa, já se sabe.
Vinte mil soldados chegam
dos Estados Unidos para se juntar aos 10 mil que já ocupam solo europeu e
a mais sete mil de 18 países membros e parceiros da Aliança. Desde 20
de Fevereiro e até Julho o “maior movimento de tropas na Europa desde o
fim da guerra fria”, como anunciou o secretário-geral da NATO, Jens
Stoltenberg, estender-se-á através de quatro mil quilómetros de vias de
comunicação continentais, espezinhando tudo quanto tem vindo a ser
decidido pelos governos com a finalidade de combater a pandemia de
coronavírus. Para celebrar os jogos de guerra baptizados como Defender
Europe (Defensor da Europa) 2020 a banda de rock do exército
norte-americano dará concertos em vários países, todos eles com entradas
livres, exactamente no período em que, de leste a oeste, estão a ser
suspensas as actividades culturais. Deixem passar a guerra!
Escolas
estão a ser encerradas, museus, auditórios, centros de convívio,
organizações de índole social, ginásios, piscinas, pavilhões, estádios
fecham as portas, companhias áreas cancelam dezenas de milhares de voos,
as pessoas saúdam-se com os pés ou cotovelos. Os governos europeus vão
anunciando medidas sucessivas que reduzem as actividades ao mínimo; um
país inteiro, a Itália, entrou de quarentena e ameaça com prisão até
cinco anos os cidadãos desobedientes. No entanto, nos últimos dias
acolheu manobras de guerra electrónica e transformou-se no cenário de
exercícios com submarinos envolvendo militares de dez países – operações
integradas nas manobras Defender Europe 2020 da NATO.
Os boys “estão de boa saúde”
“As
nossas forças estão de boa saúde”, garante o general Tod Walters,
comandante do Exército de Terra dos Estados Unidos na Europa. Sabe-se
que talvez não seja bem assim: o Pentágono admitiu que o número de
militares infectados é superior ao que revelam as estatísticas; e o
general norte-americano Christopher Cavali e parte dos seus companheiros
de guarnição na base alemã de Wiesbaden entraram de quarentena depois
de uma reunião da NATO na qual participaram dois generais contaminados
com coronavírus, o polaco Jaroslav Mika e o italiano Salvatore Farina.
Reunião onde estiveram oficiais superiores de uma dezena de países da
NATO para abordar assuntos relacionados com as manobras em curso.
Seja
como for os jogos de guerra vão para a frente, assegurou em Zagreb o
secretário-geral da NATO numa reunião de ministros da Defesa da União
Europeia – e não da aliança guerreira – demonstrando como são ténues as
fronteiras entre o “europeísmo” e o “atlantismo” com ou sem pandemias.
“Certamente iremos monitorizar e acompanhar de muito perto a situação,
porque tem consequências potenciais também para a NATO”, prometeu
Stoltenberg enquanto anunciava a existência de planos de contingência
para que as manobras militares não sejam perturbadas no caso de haver
“muitos casos” de contaminação “nas estruturas de comando da aliança e
nos seus quartéis-generais”. Pelo menos no quartel-general da
organização, em Bruxelas, já foram noticiados.
Tudo pela “mobilidade militar”
As
tropas norte-americanas desembarcam em seis portos e nove aeroportos de
vários países europeus. Com elas entram no continente 33 mil peças de
guerra, algumas das quais as infraestruturas europeias poderão não
suportar como é o caso dos tanques Abrams, com as suas imponentes 70
toneladas. Porque, como lamenta o Parlamento Europeu num relatório já de
Fevereiro deste ano, “desde os anos noventa as infraestruturas
europeias foram desenvolvidas unicamente com objectivos civis”. Um
inconveniente que a Comissão Europeia já identificara há dois anos
quando decidiu tomar medidas para averiguar de que modo as vias de
comunicação do continente terão de vir a adaptar-se à “mobilidade
militar”. As modificações e as construções que forem necessárias serão
suportadas, é claro, pelos contribuintes europeus, podendo a União
prever alocações financeiras num total de 30 mil milhões de euros.
Confirmando
a determinação da União Europeia em aplanar o continente para as
dinâmicas castrenses exigidas por Washington, há uma semana, em Zagreb,
os ministros da Defesa dos Estados membros juntaram-se para “identificar
qualquer obstáculo à mobilidade militar que a Europa tenha de remover”.
Bruxelas sabe definir muito bem as prioridades.
Exactamente
“testar a mobilidade militar” é um dos objectivos dos jogos de guerra
Defender Europe 2020, de modo a que possa haver condições para “colocar
rapidamente uma grande força de combate dos Estados Unidos na Europa”.
Para tal, a NATO, o Comando Europeu dos Estados Unidos e a União
Europeia têm vindo a articular-se para adaptar as infraestruturas à
deslocação célere de comboios militares através de quatro mil
quilómetros de vias de comunicação, sobretudo do Centro e Leste. Porque é
no extremo Leste que está a “ameaça potencial” – nunca citada
explicitamente, o que nem será necessário porque qualquer europeu sabe
desde pequenino qual é.
O auge das manobras está previsto entre 20
de Abril e 20 de Maio. No entanto, asseguram os organizadores no
website da NATO, haverá movimentos de pessoal e equipamentos entre
Fevereiro e Julho, meio ano de jogos de guerra num continente que
praticamente abdica de tudo o resto.
O primeiro acto desta longa
peça guerreira aconteceu em 21 de Fevereiro quando a 1ª Divisão de
Cavalaria dos Estados Unidos – a chegada da cavalaria é sempre exaltante
num bom guião de Hollywood – desembarcou em festa no aeroporto de
Nuremberga, na Alemanha. Antes de seguir viagem para a Polónia e os
Estados do Báltico foi acolhida por uma comitiva chefiada pelo ministro
do Interior da Baviera, Joachim Herrmann.
Reza a crónica mundana que
houve animada confraternização, apertos de mão, beijos e abraços, não
era o COVID-19 que iria estragar a festa. Nessa altura já a banda de
rock e o coro do Exército dos Estados Unidos tinham iniciado a sua
“tournée de boa vontade” em apoio do Defender Europe 2020 promovendo
vários concertos na Polónia com entradas gratuitas. E não tarda chegará o
tempo de paraquedistas norte-americanos e italianos, estacionados
respectivamente na região de Veneza e na Toscânia – submetidas à
quarentena italiana – partirem para ir fazer artes de guerra em palcos
do Mar Báltico.
Total submissão europeia
As
gigantescas manobras Defender Europe 2020 traduzem um contexto de
crescente submissão da Europa, como um todo, à pressão militar dos
Estados Unidos. O contraste entre o rigor dos governos espelhado nas
medidas que vão sendo adoptadas para combater o surto de coronavírus e,
simultaneamente, a sua submissão perante tudo o que é exigência militar
de Washington torna-se significativo e gritante nestes dias de
insegurança colectiva – que a componente militar não resolve e só pode
agravar.
Os Estados Unidos pedem – isto é, exigem – uma espécie de
“Schengen militar”, ou seja a abolição de fronteiras para as operações
militares e os transportes de mercadorias perigosas a utilizar em
situações de guerra.
O episódio da realização de manobras
militares de grande envergadura em simultâneo com uma operação fulcral
de defesa da saúde pública demonstra que a União Europeia não tem voz
perante as inamovíveis agendas norte-americanas, sobretudo as militares
e, no fundo, geoestratégicas. O general Tod Walters, que comanda o
Exército de Terra na Europa e garante que os “boys” estão de boa saúde, é
o mesmo que defende o uso da arma nuclear no âmbito de uma “resposta
flexível” no continente.
Os Estados Unidos que invadem a Europa
para praticar jogos de guerra – e vedam a entrada de cidadãos europeus
em território norte-americano – não se coibiram de adiar as manobras
militares conjuntas com a Coreia do Sul devido à pandemia de
coronavírus.
Ao invés, do lado europeu o que se verifica é a
negação das políticas assumidas em defesa da saúde dos cidadãos para que
se cumpram objectivos bélicos. É a própria União Europeia quem, em vez
de exigir o cancelamento das manobras militares de modo a que sejam
cumpridas as medidas sanitárias, colabora com o Pentágono na
estruturação e realização dos exercícios agressivos e contaminadores que
se estendem por meio continente.
Os factos expressos neste
contraste são tão explícitos e violentos que não haverá elaborado
esforço de propaganda sobre supostas ameaças alheias que lhes valha.
Ameaça é a pandemia, a prioridade de quem nos governa é a guerra.
José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
Um artigo muito informativo. Umas "manobras" que desconhecia.
ResponderEliminarObrigada, Rogério.
Desconhecia essas manobras, e é inconcebível que os governos não as cancelem.
ResponderEliminarAbraço e bom fim de semana
Caramba! Só ontem fiquei a saber desta "oportuníssima" manobra da Nato.
ResponderEliminarDe imediato me ocorreu que os americanos possam ter desenvolvido uma novíssima e abstrusa técnica de combate ao novo coronavírus e nos tragam "snipers" treinados para combater o Sars-CoV-2 a tiro de fuzil de precisão... será???
Bom dia:- Desconhecia a existência dessas manobras. Mas, o certo, é que, ontem como hoje e sempre, quem tem o poder e manda, faz o que quer e o resto é "lamento de pobre".
ResponderEliminar.
Feliz fim de semana
ResponderEliminar"Lamento de pobre". Tão justo à realidade. É o que temos.
Bom fim-de-semana,
Lídia
Mas o que é isto?!
ResponderEliminarVou ler de novo para ver se entendo...
Este mundo está louco!
Beijo, bom fim-de-semana.
Trump o grande predador
ResponderEliminarAbraço