E A ECONOMIA, PÁ?
A SITUAÇÃO AMEAÇA O SISTEMA ECONÓMICO DOMINANTE?
As previsões sobre o fim das consequências da pandemia
de COVID-19 são cada vez mais imprecisas e complexas e começa a ganhar
forma uma certeza construída de incertezas: o mundo não será o mesmo que
antes da emergência do vírus. Daí que comecem a surgir reflexões
sustentadas – não exercícios de futurologia – sobre o que poderá
acontecer daqui para a frente em domínios como o económico, o social, o
mundo do trabalho.
O Lado Oculto é um espaço de informação e também de
debate aberto. Daí que esteja disponível para dar a conhecer alguns
desses trabalhos que possam suscitar polémica, reflexão, concordância e
discordância num tempo de incertezas.
Pepe Escobar, Asia Times/O Lado Oculto
Ninguém,
em lugar algum, poderia ter previsto os acontecimentos que estamos
agora a testemunhar: em apenas algumas semanas o colapso acumulado das
cadeias de abastecimento globais, da procura agregada, do consumo,
investimento, exportações, mobilidade.
Já ninguém aposta agora
numa recuperação em forma de L, muito menos numa recuperação em V.
Qualquer projecção do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2020 entra
no território incerto da "queda de um penhasco".
Nas economias
industrializadas, em que cerca de 70% da força de trabalho está nos
serviços, inúmeras empresas de diversas indústrias entrarão num processo
de colapso financeiro que eclipsará a Grande Depressão.
Este
cenário envolve todo um espectro em que possivelmente 47 milhões de
trabalhadores dos Estados Unidos serão despedidos em breve, com a taxa
de desemprego disparando para 32%; e também a advertência da organização
internacional Oxfam admitindo que, no momento em que a pandemia passar,
mais da metade da população mundial de 7800 milhões de pessoas poderá
estar em situação de pobreza.
De acordo com o cenário mais
optimista de 2020 da Organização Mundial do Comércio (OMC) - certamente
desactualizado antes do final da Primavera - o comércio global
afundar-se-ia 13%. Um cenário mais realista e sombrio da OMC antevê o comércio global a mergulhar 32%.
O
que estamos a testemunhar não é apenas um curto-circuito massivo na
globalização: é um choque cerebral que atinge três mil milhões de
pessoas hiperconectadas e simultaneamente confinadas. Os seus corpos
podem estar bloqueados, mas os seus cérebros continuam a trabalhar - com
possíveis consequências políticas e outras imprevisíveis.
Em
breve teremos pela frente três grandes debates interligados: a gestão
(em muitos casos dramática) da crise; a procura de modelos futuros; e a
reconfiguração do sistema mundial.
Esta é apenas uma primeira abordagem do que deve ser visto como uma competição cognitiva do tipo "faça ou morra".
Acelerador de partículas
Análises sólidas do que poderá vir a ser o próximo modelo económico
já começam a surgir. Têm como pano de fundo um desmascaramento
realmente sério de todos os mitos do (moribundo) desenvolvimento do
neoliberalismo, que pode ser visto aqui.
Um
novo modelo económico deve girar em torno destes eixos: computação em
Inteligência Artificial; produção automatizada; energia solar e eólica;
transferência de dados de alta velocidade baseada no 5G; e
nanotecnologia.
China, Japão, Coreia do Sul e Taiwan estão muito
bem posicionados para o que está por vir, o que acontece também com
algumas latitudes europeias.
Plamen Tonchev, chefe da unidade
asiática no Instituto de Relações Económicas Internacionais de Atenas,
Grécia, antevê uma possível reorganização - a curto prazo - dos
projectos chineses associados à Iniciativa Cintura e Estrada (ICE)
privilegiando o investimento em energia, a exportação de painéis
solares, as redes 5G e a Rota da Seda da Saúde.
A
COVID-19 é como um acelerador de partículas, consolidando tendências
que já vinham a desenvolver-se. A China já estava a demonstrar a todo o
planeta que o desenvolvimento económico sob um sistema centralizado não
tem nada a ver com a democracia liberal ocidental.
Na pandemia, a
China demonstrou - também a todo o planeta - que a contenção da COVID-19
foi conseguida através da imposição de controlos que o Ocidente
classificou como "draconianos" e "autoritários", juntamente com uma
abordagem científica estratégica caracterizada por uma profusão de kits
de testes equipamentos de protecção, ventiladores e tratamentos
experimentais.
Estas circunstâncias estão já a traduzir-se num
poder brando incalculável que será exercido ao longo da Rota da Seda da
Saúde. As tendências parecem apontar para uma China estrategicamente
reforçada em todo o espectro, especialmente no Sul Global. A China está a
jogar "go, weiqi"*. Algumas pedras serão retiradas do tabuleiro
geopolítico.
A falência do sistema é bem-vinda?
Em
contrapartida, os cenários bancários e financeiros ocidentais não
poderiam ser mais sombrios. Como argumenta uma análise oriunda da Grã-Bretanha,
“não é apenas a Europa. Os bancos podem não ser suficientemente fortes
para cumprir o seu novo papel de salvadores em qualquer parte do mundo,
incluindo os Estados Unidos, China e Japão. Nenhum dos principais
sistemas de empréstimos foi testado para um congelamento económico
profundo, capaz de se prolongar durante meses".
Portanto, "o
sistema financeiro global vai rachar sob a pressão" com uma agora
possível "paralisação pandémica de mais de três meses", capaz de causar
"a falência económica e financeira do sistema".
À medida que as
falhas do sistema acontecem, nada se aproxima remotamente da
possibilidade de uma implosão de derivados da ordem de um trilião de
dólares (um bilião de milhões), uma verdadeira questão nuclear.
Capital One é o número 11 na lista dos maiores bancos de activos dos Estados Unidos. Já está com problemas profundos nas suas exposições de derivados.
Fontes de Nova York afirmam que Capital One fez uma negociação
terrível, apostando através de derivados em que o petróleo não iria
parar onde está agora, no seu valor mais baixo em 17 anos.
Uma mega-pressão exerce-se agora sobre todos aqueles que em Wall Street deram às empresas petrolíferas o equivalente a colocar
toda a sua produção de petróleo a preços acima de 50 dólares por
barril. Estas posições já chegaram ao fim - e a pressão sobre os agentes
de Wall Street e os bancos norte-americanos tornar-se-á insuportável.
O
recente acordo de produtores de petróleo não altera nada: o petróleo
permanecerá em torno dos 20 dólares por barril, 25 no máximo.
Este
é apenas o início; a situação tornar-se-á provavelmente muito pior.
Imagine-se o encerramento de grande parte da indústria americana.
Empresas como a Boeing, por exemplo, a irem à bancarrota. Os empréstimos
bancários a essas empresas serão aniquilados. À medida que esses
empréstimos forem extintos os bancos entrarão em grandes apuros.
Derivados ao máximo
Wall
Street, totalmente ligada aos mercados de derivados, sentirá a pressão
da economia norte-americana em colapso. O socorro da Reserva Federal
(Fed, banco central) a Wall Street começará a desmoronar-se. Uma espécie
de reacção em cadeia nuclear.
Em resumo: a Reserva Federal perdeu
o controlo da oferta de moeda nos Estados Unidos. Os bancos podem agora
podem criar crédito ilimitado a partir da sua base, o que configura uma
potencial hiperinflação nos Estados Unidos se a oferta monetária
crescer sem parar e a produção entrar em colapso – o que já vai
acontecendo porque a economia está no modo "shutdown".
Se os
mercados de derivados começarem a implodir, a única solução para todos
os principais bancos do mundo será a nacionalização imediata, o que será
uma heresia para a Deusa do Mercado. O Deutsche Bank também está em
apuros, pois tem uma exposição de sete biliões (milhões de milhões) de
euros em derivados, o dobro do PIB anual da Alemanha.
Não é de
admirar que os círculos empresariais de Nova York estejam absolutamente
aterrorizados. Insistem em que se os Estados Unidos não voltarem
imediatamente ao trabalho e se esses triliões de dólares em derivados
começarem a implodir rapidamente as crises económicas que ocorrerão
criarão um colapso cuja magnitude não foi testemunhada na história, com
consequências incalculáveis.
Ou talvez seja essa seja apenas a centelha maior-do-que-a-vida para o começo de uma nova economia.
*Go,
Weiqi ou Baduk é um jogo estratégico de soma zero e de informação
perfeita para tabuleiro em que dois jogadores posicionam alternadamente
pedras pretas e brancas. A sua origem remonta à antiga China, há cerca
de 2500 anos
Nunca morri de amores pela Deusa do Mercado e a economia não é um dos meus pontos fortes, conforme te disse. Certo é que esta publicação traz muita e muito específica informação que desconhecia e que vou levar um bom tempo a digerir, porém... à derrocada, vislumbrei-a logo aos primeiros sintomas da pandemia e tenho por certo que os sistemas, à semelhança de todas as formas de vida, não caem sem antes estrebucharem muito.
ResponderEliminarSim, "o sistema económico global vai rachar sob a pressão" e o "abalo tectónico" terá repercussões muito semelhantes aos da detonação de uma gigantesca bomba nuclear.
Abraço
É triste o que estão a fazer connosco!
ResponderEliminarAgradeço muito a visita...