29 fevereiro, 2012

Baptista Bastos, BrancaMar, Montesquieu e... eu

Não estava a pensar em nada (se tal me é possível) quando hoje lia a crónica de Baptista Bastos. Sempre o faço, às quartas-feiras, único dia da semana em que compro o Diário de Notícias. Lia-o com a atenção que ele merece, até suspender a leitura numa citação de Montesquieu: “Não há desgosto que uma hora de leitura não desvaneça.” Pronto, lá fui eu para outras divagações e, sem aparente ligação, cair na promessa que fizera a BrancaMar. É que o primeiro impulso que tive para lhe acalmar a alma e a incentivar à escrita foi dizer-lhe: minha querida amiga, não desista, não se vá embora, não deixe de escrever. “Seus escritos (e outros) entram na minha hora diária de leitura. Contribuem para que desvaneça desgostos e retempere o ânimo que preciso ter, que precisamos ter." Hesitei, questionando-me se teria eu tanta importância assim para a incentivar a continuar. Achei então argumentar, dando-lhe a ela os argumentos que uso eu próprio para diariamente escrever e manter viva esta conversa. 
Escrevo porque sim, porque gosto das palavras, porque as gosto de alinhar, rimá-las e dar-lhes a energia que por vezes lhes falta, sobretudo às menos usadas ou às mais aviltradas. Escrevo para arrumar as ideias, aprofundar o juízo das coisas e do mundo, nesta insistente, quase teimosa, tarefa de o tentar compreender. Escrevo não só para que me leiam, mas para que eu registe a memória e me espante com o que pensava vir acontecer, depois de, mais tarde, ter acontecido. Escrevo para todos e, assim, também para mim. Escrevo e leio, porque não há escrita que não me obrigue a ir ler. De vez em quando leio um livro, faço como Montesquieu…não ler, por ler. Leio para desvanecer a desesperança. Leio para ser.
Eu, Minha Alma e Meu Contrário (num dia calmo) 
Voltando ao texto de Baptista Bastos, é uma prosa do... caraças.

PS: Já depois de editado BrancaMar me enviou um mail a lembrar onde reside a promessa. É nos comentários a uma Homilia. Nessa.

28 fevereiro, 2012

A Islândia e as forças desproporcionadas...

Ontem coloquei um post, extenso e denso, dando conta de como a dramática situação na Argentina terá sido enfrentada, o preço pago e a situação que se vislumbra, agora, a fazer inveja a uma Europa em dificuldades (para não usar dramáticos adjectivos, uso esse eufemismo). A intenção era sugerir que Portugal possa seguir esse caminho. Leram-me. Leram-me, apesar de dar trabalho e de ter usado palavras rudes e desafiantes, senão mesmo de insulto... Dos que me deram reconfortante atenção, cito quem me disse: 
"Concordo que estar informado dá trabalho. Mas pior do que isso é a informação nos ser sempre penosa e penosa a consciência de que uma formiga pouco pode contra um elefante. Ah! Eu sei de alguns elefantes que cederam às ferradelas de um formigueiro."
Não sei porquê, ocorreu-me que estivesse a falar da Islândia...

27 fevereiro, 2012

A Argentina... e as pessoas que por cá já andam com a cabeça cheia... de areia

O que se está a passar é como uma tremenda tempestade de areia, que não amaina.... 
Areia que começou a ser-nos mandada para os olhos e nos deu uma irremediável cegueira. 
Mas a coisa piorou:, neste momento já temos a cabeça, lá dentro, cheia... de areia
Protegi-me, nem sei bem como, contra tal investida. Consigo alguma lucidez, não porque um deus qualquer me quisesse proteger, mas porque insisto em me defender destas ameaças. Em sentido figurado, claro. É que mantenho um estado de permanente alerta e tenho sorte: de vez em quando lá passa uma noticia, mesmo fechada, que nos põe no caminho de outras explicações. Se não quiser saber do que se trata, até porque dá trabalho, não indague, não entre nesses links malvados. Fique só por este enunciado. Mas, depois, não diga que não foi avisado... ou que é areia demais para a sua camioneta (talvez porque já a carrega cheia... de areia). Mas... vejamos ver o que Krugman vai hoje dizer...
NOTA: Dedico este post ao meu genro exactamente porque julgo saber que ele não terá tempo para... o ler

26 fevereiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 72


« ...o auditório que está cheio, com gente ocupando todos os pedaços livres de chão. E vieram para ouvir Afonso Cruz, Ana Luísa Amaral, Júlio Magalhães, Manuel Moya, Rui Zink e Valter Hugo Mãe, com moderação de Henrique Cayatte, falarem sobre o tema “a escrita é um investimento inesgotável no prazer”... » Vieram-me dizer que foi possível passar uma noite inteira nessa cavaqueira. Não será à falta de palavras que não se lhe ouve falar o que lhes seria de esperar que falassem, sobre se o mundo, que já é quase um deserto de ideias, não o virá a ser também de afectos. Desses mesmos que os escritores usaram, gozando o privilégio  de saberem manipular as emoções.
HOMILIA DE HOJE 
As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos «slogans» publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras.  

24 fevereiro, 2012

Vou sorrir à primeira pessoa que passar!

Sessenta e sete
Já são sessenta e sete vezes
que isto me acontece
Das primeiras vezes,
crescia-me um corpo
e uma alma
aprendendo
a falar um com o outro
de forma serena, calma. 
Mas tarde,
cabiam já alma e corpo no mesmo espaço,
começaram os conflitos e o embaraço
de ir amadurecendo a servir de juiz
num por vezes doloroso desaguisado
exercício de manter o equilíbrio
entre Minha Alma e Meu Contrário 
Foram tempos de tudo
De raiva, de luta, de ausência, de regresso
que não esqueço 
Vieram então tempos de esperança,
e de poupada alegria
(pois que desta nunca há abastança
e se dela gastasse a esmo por certo já não haveria) 
Chegado agora, ao dia de hoje
os três olhamos este meu rosto
Contamos-lhe as rugas,
umas leves outras fundas...
Estas aqui, na fronte, que tantas são,
são as dos desgostos, das incertezas e da apreensão
Estas, outras, na face, que muitas se atropelam
São as do sorriso, e é a alegria que revelam 
Minha mão as tacteia e afaga
ao mesmo tempo que as vai contando
E que coincidência, e que espanto
umas e outras somam o mesmo e tanto. 
Para as desempatar
Vou sair
E sorrir
À primeira pessoa que passar

23 fevereiro, 2012

José Afonso (1929-1987).


Não se separa um homem inteiro, das partes e facetas que lhe dão a dimensão. 
Não se separa o andarilho, dos trilhos percorridos. 
Não se separa o professor, dos seres a quem deu saberes. 
Não se separa o cantor, dos seus cantos. 
Não se separa o poeta, dos poemas que nós dizemos.
Não se separa o criador, da obra criada. 
Não se separa o resistente, da luta travada. 
Não se separa o sonhador, da utopia sonhada. 
Não se separa a razão, da alma. 
E quando tal se separa, o homem parte. E fica-nos a memória de um homem digno, de um homem inteiro.

.
Fica uma canção, talvez a primeira que cantei,
mesmo antes de o ter ouvido e que hoje recupera actualidade

Foto do Público 

22 fevereiro, 2012

Carinhos...


Tocou, repenicada, a campainha da porta sem outra razão que não fosse a do carteiro, a confirmar se estaria ou não alguém em casa para recepcionar a encomenda. Cumprido o procedimento, apalpei o objecto envelopado naquele papel pardacento, coberto de selos não habituais, oriundos do outro lado do Atlântico. E do tacto se fez luz: era um livro. Voltei o pequeno embrulho para consultar o remetente e sorri da satisfeita curiosidade. Que me manda ela aqui? Abri. Nem acreditava. Para mim vinha remetido o meu próprio livro. Nem sequer sabia que o tinha comprado(*)...  E agora? Mo devolvia? Será que tinha defeito, estaria algo errado? Sacudi-o na procura de algum bilhete, uma mensagem que desse explicação. Nada. Mas de pronto reparei que, em letra bem redonda, diria desenhada, vinha na primeira página, a branca da guarda, uma extensa dedicatória. Extensa, mas não de todo  estranha. Aquelas palavras me eram familiares, no estilo e na forma carinhosa. Surpreendido, isso sim, estava. Passei à página seguinte, que também estava anotada. Ainda mais escrita: nas margens, no alto do cabeçalho e no pé de página. Sem ainda me deter a ler, verifiquei, apressadamente, todas as páginas. Todas anotadas. Fui lendo de forma salteada e depois, voltei ao principio,  para o ler ao correr do seu escrever. Ora comentava se sim ou não concordava , ora falava directamente com os personagens com se intrometesse no escrito ou dele fizesse parte. Ao Meu Contrário e à Minha Alma, acompanhava-lhes os humores alegrando-se com suas alegrias, sofrendo com suas dores. Ela fizera com o meu livro o que há muito fazíamos na blogosfera: Trocar palavras enlaçadas pela ternura que só as palavras sabem ter, mesmo sem se conhecerem quem as escreve. É bom ser lido assim. Não sei se algum autor guardará carinho parecido. Obrigado Gisa, foi um gesto lindo.
(*) O livro foi comprado no Sitio do Livro 

21 fevereiro, 2012

Carnaval... hoje não me disfarço. Fico igual.

De mil escolhas, hoje não me disfarço.
.

Você? Porque não um palhaço?
Ninguém lhe levará a mal
.
<>o<>
.
Recitar, 
enquanto tomado pelo delírio
não sei mais aquilo que digo 
e aquilo que faço. 

Todavia é necessário. 
Esforça-te! Vai! 
És tu talvez um homem? 
Ah! ah! ah! ah! ah! 
Tu és Palhaço. 

Veste o casaco
e a cara enfarinha. 
O povo paga 
e quer rir aqui. 

E se Arlequim 
te rouba a Colombina, 
ri Palhaço e
cada um aplaudirá.

Muda em piadas 
o espasmo e o choro, 
numa careta o soluço e a dor.
Ah! Ri Palhaço, 
sobre o teu amor partido.
Ri da dor 
que te envenena o coração!
.
----------.....................................------- (ver aqui)

20 fevereiro, 2012

É Carnaval... ele não leva a mal!!!!

Enquanto o avô escrevia, o Diogo se compenetrava no escudo, no elmo e na espada. "Vô, olha com eu estou". E o avô, nada. Continuava, com o nariz enfiado num qualquer texto e não ligava. "Olha de uma vez o miúdo. Está a falar contigo!", disse ela meio zangada, quase gritando, por detrás da máquina fotográfica. "Hã?" exclamou o avô enquanto, por fim, olhou.  O Diogo aproveitou aquele precioso segundo dispensado por seu avô e repetiu: "Olha como eu tô... gostas de mim assim?" - "Sim, gosto sempre de ti" Disse, distante mas olhando-o de frente. O Diogo parece ter percebido. Tirou o elmo, atirou para longe o escudo e pousou a espada. O avô pensou: "Aquela alma não se quer fardada". O Diogo ficou por momentos pensativo e acho que sabemos o que pensou, por ser Carnaval não levaria a mal, ao seu avô.
Não foi bem assim que aconteceu, mas o Diogo nem um minuto se manteve mascarado, talvez por ser demasiado pequeno ou não se sentir nem cavaleiro, nem soldado...

19 fevereiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 71

------------------------------------------Foto de José Ferreira
Vejo as redes sociais como florestas imensas onde ainda aprendo a pousar...

Não tenho imagem mais apropriada para descrever a minha inaptidão (e talvez até o meu não querer) para voar e pousar nos ramos que se dizem amigos da densa e diversa floresta das redes sociais. Não me sinto pássaro de piar, cantar, chilrear ou de fazer voos atrevidos, nessa densa ramagem. Talvez porque goste demais das palavras ou, quem sabe?, nem tenha asas... E se as tiver?, porquê limitá-las a tão estreito voo? Dir-me-ão que faço apreciações fora do reconhecimento desse espaço de liberdade (será?) e de avanço tecnológico onde tudo é possível desde a simples troca de virtuais afectos à denúncia de desumanidades e mobilização para combates ou sua simulação. Espaço que, como todos os espaços, depende de quem os usa e do fim que lhes dá. Não discuto que seja ou não assim, mas sinto que cada vez menos é um espaço de reflexão e cada vez mais um espaço de manipulação... Talvez por isso, valha a pena aprender a estar. Para combater tendências, ou, pelo menos, as equilibrar... Falo do Facebook, nunca me senti atraído pelo Twitter, mesmo antes de saber o que Saramago sobre ele comentou e onde  me reforçou conselhos sobre como estar na blogosfera... 

HOMILIA DE HOJE
"Escrever num blog não difere em nada de escrever numa folha de papel. Salvo a extensão do texto em que, no caso do blog, se aconselha uma certa brevidade, os escritores não estão condicionados por normas ou regras que, supostamente, caracterizariam o blog. Não sou frequentador assíduo da internet. Consulto o Google com frequência, nada mais. Quanto a ler outros blogs, faço-a às vezes, mas não mantenho diálogo com eles. Para mim, a internet é uma fonte de informação rápida e em geral eficaz, porém não confundamos: a literatura ou é ou não é, não há meios termos. Muitas transformações teriam de dar-se (e eu não vejo como nem quais) para que a internet tomasse lugar no fazer literário." 
(...)
"Nem sequer é para mim uma tentação de neófito (escrever no Twitter). Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido."
 José Saramago, entrevista à GLOBO, Setembro de 2009

18 fevereiro, 2012

Sábado... foi assim a semana que hoje finda (10)

O meu livro - Foi uma semana de comentários de vizinhos e amigos, mas também de surpresas e noticias. Falando destas: Tenho o livro aceite para ser vendido na rede da FNAC (lá mais para o fim do mês estará disponível em todos os pontos de venda). A Associação 25 de Abril acolheu positivamente a minha proposta para que a obra seja apresentada em Lisboa, na sede dos "militares de Abril".

A troika - Vão estar por cá e vão ter uma sessão na Assembleia na terça feira de Carnaval, o que está bem de ver que ninguém, do chamado "arco do poder", vai levar a mal.  Não se esperam surpresas sobre a avaliação que farão sobre o desempenho do governo. Não sei se pronunciarão sobre o desastre que se adivinha, sobre os 14% de desemprego ou sobre uma coisa de que ninguém fala: o crescente crescimento da dívida [Apesar de o programa de ajustamento da troika já estar em campo e o défice português estar a cair, a dívida pública portuguesa continua a engordar. Segundo as estimativas, do FMI, em 2012, a dívida ainda irá aumentar para 116,3% do PIB e, em 2014, para 118,1%. 2014 será o primeiro ano de descida, caindo para 116%. Em 2016 continuará acima de 100% do PIB (111,7%)].

Como se chegou a este estado - A presença do primeiro ministro na Assembleia da Republica foi, mais uma vez, pretexto para troca de acusações entre o governo e o PS. Não repito algumas coisas que já referi mas reforço-as com a constatação de que foram as politicas seguidas que deram origem  ao desaparecimento dos sectores produtivos e empurraram a economia para uma situação insustentável e para o endividamento [Entre 2000 e 2010, o crédito à habitação aumentou em 156%; o crédito ao consumo subiu em 137%; mas o crédito à actividade produtiva (agricultura, pescas e industria transformadora) cresceu apenas em 41%.] 

O Sevinate e o Pingo Doce - Hoje, no Expresso, o ex-ministro da Agricultura escreve, em coluna de opinião, que o que se diz por aí de mal deste sector é dito por masoquismo ou falta de informação. O artigo é longo mas dá uma excelente e bem documentada imagem do progresso e de quão errada é a opinião contrária. Pouco depois desta leitura entrei numa loja do Pingo Doce e o efeito da leitura foi-se: os morangos, os tomates, os pepinos, os pimentos e os brócolos, eram espanhóis; o feijão verde, marroquino!! Parei, e nem fui espreitar as batatas e as cebolas, com receio de serem das mesmas, francesas, como as que comprei a semana passada. É que fiquei a pensar: irá ser destino do Alqueva o de um grande tanque de águas... residuais? 

Sábado... reflexões marginais


A arte, por vezes, nos diz o que não esperamos que seja dito de forma tão perfeita. É a arte coisa efémera? Dura mais que quiséramos ou esperávamos? Que importa? Que importa que morra, se dissolva ao sabor da impiedosa natureza ou lhe sobreviva aos ventos e se torne eterna?... é no momento que se cria que é útil. Ou porque nos dá alento. Ou porque nos denuncia que algo de medonho se aproxima e é preciso agir. Se seu desígnio é imprimir coragem, então a usemos para contrariar tudo o que requeira actos corajosos. Se for um desafio à acção, então que algo se faça. A arte também pode assumir mensagem de esperança, mas para que a quero eu se esperança passa por esperar e, como diz o poeta: "esperar não é saber/quem sabe faz a hora/ não espera acontecer". Esgotou-se o tempo onde cabia a esperança. Agora é a hora de luta, ainda que nos limitemos a resistir... 

Mas é a arte também um devaneio, um doce enleio, um olhar o umbigo da alma em êxtase ou depressão? Que pena o ser... só retarda o que teremos que fazer.

16 fevereiro, 2012

O mundo... Livro do Desassossego

Era para associar esta imagem ao texto de Pezarat Correia, 
(será que alguém o leu?) mas mantive o que Bulimunda escreveu
"O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção – a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir. 
O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir. Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. 
Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte – ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima."
 Fernando Pessoa, in ‘Livro do Desassossego’

Agradeço, claro...


A Teresa (ematejoca azul) escreveu, no seu blogue: "Liebster é uma palavra alemã e significa o mais querido ofereço este award a três grandes amigos do povo alemão". Ela me considera amiga do povo alemão, com razão. Sou-o de todos os povos do mundo e, de pronto, lho disse... Mas tenho de lhe falar da minha apreensão. Faço-o, citando Aristóteles:
 «Quem for incapaz de se associar ou que não sente essa necessidade por causa da sua auto-suficiência, não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho (…)» in ΠΟΛΙΤΙΚΩΝ (1253a28-30)
Pronto, está postado, agradecido e retribuído (acho que Brecht me terá sorrido...)

15 fevereiro, 2012

Teoria da conspiração? Sim? Não?... é que Julho é já amanhã...

Há uma expressão poética, muito usada, que é já um lugar comum para designar quanto o muito que acontece no dia a dia nos dispersa e faz concentrar em algo aparentemente importante, mas que o não é efectivamente. Refiro-me à "espuma dos dias". Dias com ondas mansas ou alterosas mas onde, mesmo estas, se amansam no extenso areal dum quotidiano que se vai repetindo com consequências bem mais gravosas do que o anunciado pela vistosa espuma. Diria que esses efeitos são os da força das marés e das correntes, só perceptíveis por (alguns, poucos) poetas atentos ou marinheiros experientes.... Pondo de parte a metáfora, recordo um texto de Agosto onde me atrevia ao papel que cabe a um atento poeta e alertava para o que me parecia ser, pelos factos e dados alinhados, uma denuncia e um alerta.  Num comentário, bem argumentado, era acusado de embarcar no inverosímil da inventona. Me diziam: "...as teorias das conspirações são muito humanas, mas de uma forma geral são fantasiosas e nada reais. Outra é a de que vivemos num mundo que nunca antes existiu, de tanto conhecimento e tanta informação: não é possível hoje esconder dos povos nenhuma realidade ". Abandonei o tema, embora sem me desligar dele completamente. 
Hoje me despertaram outros textos. Este e ainda este (de Pezarat Correia)... E que dizer do que de lá trouxe? 



A "espuma dos dias", o que é que nos esconde?

14 fevereiro, 2012

Dia dos Namorados, com gestos não tabelados...

Ela acordou com um acordar dentro de um número par. Ele já tinha saído sem o beijo 29 e ela reagiu com o encolher de ombros 32, da tabela dos afectos. Apurou-se no trajar 112 a condizer com o dia, tomou o pequeno almoço do menu, o 9 habitual. Saiu. No emprego, o mesmo desvelo nas tarefas 6, 12, 28 e 42 e também nos procedimentos depois. Na pausa para o almoço, fez as compras da tabela do dia festivo, e comeu a correr. A tarde, como a manhã, as mesmas tarefas, mas por ordem inversa. Há hora regulamentar, saiu. E a correr, sempre a correr, comprou-lhe a prenda 79 do catálogo das ofertas. Em casa, pôs a mesa, as velas, as flores e foi preparar o jantar com a receita 108, que já antes fizera e ele tanto gostara. A mesa estava bela e foi experimentar as luzes e a música a tocar, regulando o som à altura do falar. Findo tudo, esperou... estava na hora que o catálogo do tempo indicava para o seu chegar.


Ouviu-lhe os passos. A chave a rodar. Levantou-se, segundo o gesto 52 da rotina das chegadas. A porta se abriu, mas ele não entrou. Com os olhos pousados no chão, disse: "Anda, vamos ali, temos que falar". Sem pensar em nada, atordoada, saiu como estava. No percurso que ensaiavam para algures, junto ao mar, ele lhe contou a conversa tida com o encarregado e da incerteza quanto à indemnização. Depois não mais falaram. Sentaram-se no paredão com o olhar a se suicidar no mar. Deram-se as mãos, numa ternura de gestos, pela primeira vez sem numeração no catálogo dos afectos... 

13 fevereiro, 2012

Isto hoje é com bolinha...

O
AVISO:
Por motivos, cuja razão só a troika sabe dar explicação,
o visionamento das imagens está interdita a desempregados, a mal pagos
e aos que estiveram, sábado passado, na enorme manifestação




O responsável deste espaço,
 declina toda a responsabilidade pela proliferação da prática

12 fevereiro, 2012

Homilia dominical (citando Saramago) - 70

Ainda me restam de ontem os rostos dos que comigo estavam, na estreiteza de tão larga praça. Praça do povo, terreiro da esperança e da persistência. Praça de afirmação da resistência. Estive para dar hoje conta, não só dessas emoções mas do que me levou lá... Encontraria, para tal, palavras outras e mais directas das que acabo por escolher: as de um amor de um homem por uma mulher e sobre o que nos dá a força para construir o quer que seja: uma casa, um país... E nem deixo explicada a razão da minha opção. É que nem tem explicação:

HOMILIA DE HOJE
"(..) Para começarmos de novo, para este esforço sempre renovado de fazer melhor, uma casa de palha, uma casa de paus, uma casa de tijolos. Com pilares. Os meus são quatro, só conheço esta estrutura quadrangular. Confiança. Amor. Alegria. Discernimento. Sobre eles reconstruo a todas as vezes o edifício frágil que é a minha interioridade feita de belas arquiteturas, tortuosas, algumas, elegantes, outras, uma curva aérea do Niemeyer, uma linha pura do Siza, tudo dentro de mim quando quero ser mais leve e mais alta e maior. Porque tenho os meus pilares. Eles estão lá. Mesmo quando os tapo e os escondo, ou prefiro fingir que não preciso deles. E são pessoas, quatro, cada uma delas com a sua missão pesada de aguentar os meus exercícios cada vez mais loucos, cada vez mais altos. E aguentam, e eu cresço e não tenho medo da queda. Eu sei que também sou um pilar para cada um deles. Se calhar, não o mesmo, se calhar não o que eles queriam. Mas sou a certeza de alguma coisa para alguém, e a certeza de uma coisa boa que o ajude a elevar-se, nem que seja sem tirar os pés do chão"
Agradeço à Luísa Moreira, do Vox Nostra, este texto de José Saramago 

11 fevereiro, 2012

Poemas do Rogérito - 3


Ele, deu-me a mão
e fomos à manifestação 
Pelo caminho
 me dizia 
que (também) se mantém 
 a esperança
 se dentro de nós 
existir uma criança 
---------------------------------------Rogérito 2012-02-11



Se cada um, como eu, tivesse igual representação, seria a triplicar esta multidão.... 

10 fevereiro, 2012

Retalhos... (Da desertificação do país à deserção da soberania...)

Minha filha João - Quando para lá foi, para aquela quintinha perto de Alvega, aquilo tinha eira e beira, que o mesmo é dizer que, sem ser nenhum paraíso, havia o que era preciso. Foi há meia dúzia de anos, quando as dificuldades de manter emprego em Lisboa os fez encarar outro projecto de vida ... Os netos, ele e ela, passaram a ter a escola à distância de uma corrida de bicicleta, a farmácia à mesma lonjura. Para as necessidades da mesa (e a gente miúda, come que se desunha) havia a fruta da época a colher das árvores. As hortas eram abundantes e viçosas e as saladas tinham outro gosto. Para o conduto, a oferta era farta: havia patos, havia galinhas e frangos, coelhos, cabras e muito peixe de rio, pois que ali fica o Tejo, correndo perto. O pão e o peixe de mar, tinham venda à porta, com carácter regular. As idas a Abrantes, eram esporádicas e mais para recordar o citadino bulício ou ir à feira anual, do que por necessidade, pois essas idas eram mais que quinzenais. Já em tempos tinha referido, a propósito de um postal, que tal felicidade estava em risco, com o fechar da escola e da farmácia e com a A23 a valer custos inesperados. Meu genro teve de partir e nasceu, entretanto a Maria, que conta já com dezasseis mesitos, bonitos. 
Ontem a pequenina Maria, estava com febre alta e a minha filha João teve de ir a Abrantes, veio de lá medicada, mas avisada que a pediatria ia fechar... Terá de passar a ir a Torres Novas... Vinha desolada... Acho que a eduquei e dei exemplo a lutar contra as adversidades mas, confesso, ter sido insuficiente nesse meu desígnio e as fraquezas começam a fazerem-se sentir... 

Ministro das finanças alemão - Os jornais, todos sem excepção, mostram o ministro Gaspar a cochichar com o seu "parceiro" alemão. Embandeiravam em arco, pois tal ministro dizia ao tal Gaspar que lhe aceitava o pedido de, se não houvesse objecção parlamentar (acho que o parlamento alemão ainda funciona), que as condições iriam ser amenizadas. Assim, a Alemanha estaria disponível para flexibilizar as condições do programa de assistência financeira... Acho que ainda estou em dúvida sobre o que me confrange mais, se ver um ministro meu a pedir a um outro estado o que deveria ser decidido a nível de uma comunidade, se o clamor disso na nossa imprensa e seus colunistas, acocorados perante sinais tão lamentáveis da nossa perda de soberania...

09 fevereiro, 2012

Lamentos? Lamentos, não!

Porque é de lamento o tempo e lamentos não lavram terra, nem produzem salário, nem enterram a mentira, nem ateiam a ira que é preciso ter enquanto acontece o que está a acontecer. Porque há mais caminhos a caminhar. Porque há vontade de os percorrer. Porque os valores o são e, se quisermos, não o deixarão de ser. Porque o sol está aí e vão-se reduzindo as coisas dignas de o receber. Porque se a chuva cair restam poucas as bocas que a vão beber. Porque não oiço noutro lugar quem disto me fala. Por tudo isso, vou estar onde acho que é necessário que se esteja.
Acto em vão? Que importa? Mais inútil é ficar quieto, sem dar resposta... São autistas? Que sejam, verão em cada rosto a vontade... de um país novo.

Haverá, também, partidas de outros locais: Santa Apolónia; Cais do Sodré; Martim Moniz

06 fevereiro, 2012

Logo, ao jantar...

Logo, ao jantar,
haverá o que sempre houve,
à volta da mesa:
a alegria costumada
rirás
rirei
rirão
Haverá velas num bolo,
troca de olhares
e flashes 
Cantaremos
(o miúdo vai querer apagar
as velas, e cantar também)
Depois,
depois acho que te direi
Ah, quanto te quero bem...

05 fevereiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 69


Trilogia do meu ser: tentativa, insubordinada, de tentar explicar, somos "o quê?" 

Caiu bem, em quem meu leu - julgando porventura tratar-se de figura de estilo - a trilogia de personagens com que me apresento e faço depois desenrolar a narrativa desse meu primeiro livro. É redutor tal interpretação, mas sofrível se comparada aquela outra que toma MEU CONTRÁRIO como um opositor, não sei se ao meu EU se a MINHA ALMA. É ignorância ou distracção não perceber que o que fazemos resulta, em cada acto, da conivência dos três. Mas ainda pior, é tomar o entendimento de que MINHA ALMA é o meu ser espiritual, no sentido metafisico do ser. Nada disso. Se me permitem, se permitem ao autor (em adicional ao seu escrito) aconselhar sobre o melhor entendimento a dar, gostaria que vissem em MINHA ALMA aquela parte de mim que é sensível e sensorial, onde reside a parte substancial dos afectos, embora não a totalidade (somos mais complexos que essa divisão geométrica: dum lado a razão e do outro o sentimento). Outro aspecto: a MINHA ALMA é tangível, localiza-se entre zonas bem definidas do cérebro, e desenvolve-se em tecidos diferentes sendo o mais palpitante um músculo. O músculo do coração. Outra precisão: MINHA ALMA é, por tudo isso, mortal. É até, será, julgo, a primeira a morrer. Na sequência da morte, seguir-se-á MEU CONTRÁRIO e só então EU, que acabarei por morrer com o desgosto de os ver desaparecer... Com estas locubrações contrario meu mestre, que aceitava, sobre o assunto, deixar páginas em branco.

HOMILIA DE HOJE
"A pergunta “quem és tu?” ou “quem sou eu?” tem uma resposta muito fácil: cada um conta a sua vida. A pergunta que não tem resposta é outra: “que sou eu?”. Não “quem” mas sim “quê”. Aquele que se faça essa pergunta irá enfrentar-se com uma página em branco, e não será capaz de escrever uma única palavra."
In José Saramago nas Suas Palavras

03 fevereiro, 2012

Estamos perdidos dentro da nossa solidão? Uns sim, outros não...

Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência. Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade. Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio. Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida. .. Isto é um princípio da natureza. Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância. Solidão é muito mais do que isto. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma....
Francisco Buarque de Holanda

02 fevereiro, 2012

As limitações da democracia representativa - Que saída?

"A congruência da maior parte da gente que tem governado o país é, como se sabe, nula. Dizem hoje uma coisa, amanhã fazem outra; prometem com juras solenes cumprir um programa e antes que o eco das palavras se esbata já estão a fazer o contrário do que prometeram.Isto a gente sabe. O que talvez muitos desconheçam é que estes comportamentos são potenciados e favorecidos pela democracia representativa tal como é praticada nos nossos dias." 

No artigo publicado por J. M. Correia Pinto, no seu blogue, e do qual transcrevi a parte inicial, é-nos sugerida uma reflexão sobre o sistema democrático actual. Creio, no entanto e sem retirar qualquer validade àquele texto, que aí se omite uma perspectiva importante: a estrutura do tecido social dos representados no actual sistema, que, não sendo uma abstracção, não poderá ser ignorada nas motivações e consequência da sua intervenção cívica, decorrente do voto e, depois dele, no controlo da execução das politicas sujeitas ao escrutínio eleitoral . Por outras palavras: a destruição do aparelho produtivo, terá quase aniquilado uma classe operária com peso social e politico relevante; terá reduzido o assalariado agrícola à mínima expressão; terá feito quase desaparecer outros sectores onde os laços de relação laboral propiciavam, à semelhança de outras classes, uma exigência mais esclarecida quanto ao desempenho das instituições e poderes políticos.  Isto para concluir que, se mudar o sistema e permanecer o actual desequilíbrio da estrutura de classes, dificilmente se encontrarão respostas  de equilíbrio democrático e de maior bem estar e paz social. Quando se destroí economicamente um país não só se desenvolvem os conhecidos e vividos factores de crise económica e financeira, também se colocam disfuncionalidades graves no funcionamento da democracia, com todos os riscos e ameaças daí decorrentes.

01 fevereiro, 2012

Davos, Porto Alegre e Belém - Contrariamente ao que pensava Minha Alma o mundo se moveu naquele dia...E você? Sabia?

Contrariamente ao que pensam as almas, e a minha não é excepção, o mundo move-se. Esquecida no seu intimismo e emocionada,  Minha Alma  julgava que, naquele sábado, não havia mais nada para além daquela plateia de amigos, vizinhos, camaradas e família reunida... Alma tonta. O que me vale é Meu Contrário que, logo que se libertou da pressão e emoção, foi registar o que , ao mesmo tempo se estava a passar... naquele sábado. No sábado passado. 

Em Davos, "eles" davam-nos mais... contradições, 
mas dentro do paradigma da dívida. 


Dilma, em Porto Alegre, respondia-lhe indirectamente...  à letra
Seu discurso (que é obrigatório ver) enquadrou...



...outro que por cá se passou. A imprensa andava atarefada,
sobre tudo isto disse pouco. Quase nada... A propósito, conhecem
este documento, aprovado por UNANIMIDADE?