20 maio, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 84

Timor Leste, 10 anos de idade. Dia de comemorar e manter a memória das palavras. As interventivas e as agradecidas. Os povos não esquecem, e cumpre-nos ajudarmos a sua memória. É de registos que se faz a história. Registo as palavras de Saramago e as do povo timorense, reconhecido.

HOMILIA DE HOJE  
"Que importa ao mundo que eu me sinta humilhado e ofendido? Que importa ao mundo que eu tenha chorado lágrimas de indignação impotente perante as imagens infames de um crime infame? Se esta desgraçada humanidade, faltando uma vez mais ao respeito que deve a si mesma, não impôs à Indonésia, em nome da simples moral, o acatamento imediato e incondicional da vontade do povo de Timor Leste, que importa que um escritor acuda agora a protestar usando as palavras de toda a gente, que demasiados calam porque estão mais preocupados com os seus interesses no presente e no futuro do que com o sangue que corre e as vidas que se perdem? Quanto pesa o povo de Timor Leste nas balan- ças políticas da China e da Rússia? Qual é a cotização de um habitante de Dili na bolsa de Nova Iorque? A Indonésia tem mais de três mil ilhas e Timor Leste é apenas metade de uma delas. Valerá a pena, por tão pouco, levantar-se o mundo para reclamar responsabilidades aos culpados diretos e indiretos das atrocidades que diante dos nossos olhos se cometem, para exigir o castigo dos assassinos e dos seus mandantes? Quanto é preciso, então, para que nos levantemos? Um continente? Dois continentes? Levantar-se-á o mundo quando já estiver a ponto de perder-se o mundo? Que se passa com o ser humano? E a democracia, para que tem servido? Serviu de alguma coisa em Timor? Faz-se um referendo para logo o negar, antes mesmo que os votos estejam contados? Não será um crime contra a dignidade e a honra desprezar e violentar a vontade de independência de um povo? E que sentido têm hoje aquelas palavras? Há honra num ministro, há dignidade num general, se são o general e o ministro que armam o braço dos criminosos? Ou são eles próprios os criminosos? Quando se porá fim ao cinismo da mal denominada comunidade internacional? Quando acabará a hipocrisia dos que mandam? E a inércia dos que são mandados, quando acabará? Quando deixaremos de chorar sobre nós próprios? Quando deixaremos de dizer que não temos culpa? Não se salve Timor, e nós não teremos salvação." 
José Saramago in "Quando se Porá Fim ao Cinismo?" 1999

Homenagem a Saramago, Feira do Livro, em Dili - 2010

7 comentários:

  1. Caro Rogério
    Fez-me emocionar e recordar o tempo em que Portugal e os portugueses demonstraram ser capazes de mostrar a sua solidariedade perante a barbárie de que povo de Timor-Leste estava a ser vítima. Lembro o dia em que algures perto da barragem de Castelo de Bode, envergando uma camisa branca. Parei uns tantos minutos. Soube-se depois que foram milhões a fazê-lo.
    Abraço
    Rodrigo

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  2. Calada leio.
    Calada reflito.
    Calada aplaudo.

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  3. Volta la eque agradeci a presença
    e pergunto algo...

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  4. Linda homenagem! Agora está lá o "nosso" presidente que tanto aprecia Saramago... Tanto que não fez o seu secretáro de Estado Sousa Lara engolir as palavras e a decisão que tomou relativamente a ter retirado, há 20 anos, o nome do insigne escritor dos candidatos ao Prémio Literário Europeu...

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  5. Emocionei-me, porque vivi Timor como uma causa minha, intrínseca.

    Beijo

    Laura

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  6. Não conhecia o vídeo do qual gostei muito! Torna fácil a lágrima.
    Sobre as palavras de José Saramago, embora referindo-se a um facto concreto, elas não despem as vestes de universalidade e intemporalidade que lhes é peculiar, que fazem delas, sempre, um veículo de aprendizagem, de refexão...


    Um beijo

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  7. Muito linda este homenagem!
    Hoje observava o Cavaco na Indonésia e a Maria, mesmo "Maria", sempre com aquele sorriso "apalermado" e muito me doeu a hipocrisia.

    Beijos

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