...dar atenção finalmente às plantas - essas nossas irmãs |
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"A alegoria chega quando descrever a realidade já não nos serve." escreveu não sei onde Saramago. Ele continua a inspirar cada homilia mas os tempos que vão correndo me obrigam a chamar a este lugar outros saramaguianos. Não, não se trata de virar costas a Saramago, mas sim dar atenção a quem (também) a merece e lhe segue os passos...
"A alegoria chega quando descrever a realidade já não nos serve." escreveu não sei onde Saramago. Ele continua a inspirar cada homilia mas os tempos que vão correndo me obrigam a chamar a este lugar outros saramaguianos. Não, não se trata de virar costas a Saramago, mas sim dar atenção a quem (também) a merece e lhe segue os passos...
HOMILIA DE HOJE
- Era o que eu dizia a Vossa Excelência.- Era.- Um homem depois de cair pode ainda cair mais.- A queda interminável, a queda infinita.- Vossa Excelência dizia ser mais fácil esmagar um corpo já caído no chão. Era isso?- Em pleno século XXI cair no chão com grande força e velocidade deve ser considerado uma grande oportunidade...- Para ser esmagado?- Sim, para ser esmagado.- É.- No fundo, repare Excelência... o que é esmagar um corpo senão uma incomparável delicadeza civil de fazer que um corpo que antes ocupava determinado espaço passe a ocupar menos espaço?- Não entendi, Excelência: frase longa.- Dizia: esmagar um corpo é apenas, no fundo, diminuir o volume de um corpo, diminuir o espaço que esse corpo ocupa.- Ou seja, de um outro ponto de vista...- De um outro ponto de vista: esmagar um corpo é alargar o espaço comum, o espaço da cidade.- Por cada corpo esmagado, portanto, a cidade ganha espaço, metro quadrado. Enfim, até podemos utilizar esse espaço livre para construir espaços verdes. Que lhe parece?- Que bela ideia! Construir espaços verdes no lugar de...- Abrir espaço na cidade através do esmagamento organizado dos diferentes corpos de cidadãos que por aí andam, aos caídos, por assim dizer... e, com esse espaço livre, começarmos a dar atenção finalmente às plantas - essas nossas irmãs. Isto é planeamento urbano... ou não?- Sim, sim, claro.- As nossas irmãs plantas.- Nunca respeitei seres humanos que não respeitem os espaços verdes (...)
Gonçalo M. Tavares, hoje, no DN-Magazine