12 setembro, 2010

Homilias dominicais (citando Saramago) - 6

As palavras são o que de mais sofisticado e humano existe. Há quem diga de quem as comunica bem, que elas, as palavras, lhes saem da alma. Para mim as palavras saem de todo o lado. Coração e cérebro são os grandes responsáveis. Um irriga o outro e este converte a vivência em algo a transmitir. Os olhos e ouvidos são acessórios importantes. Mas, no fim de tudo, são as mãos as principais responsáveis pela existência das palavras dignas. Tudo o que o homem fez e faz, sai-lhe das mãos. As mãos são a génese da inteligência humana. Quem não fez nada na vida e humildemente não reconhece isso, não tem uma mão cheia de palavras que valham a pena integrar na comunicação humana sob a forma de um livro, de canção ou outra qualquer...
Mas então um jovem, vinte e muitos ou trinta anos não vale a pena ser lido? Claro que sim! Desde que das suas mãos tenham saído coisas, para além de meras palavras...

HOMILIA DE HOJE
ESCRITOR, UMA QUESTÃO DE IDADE? - José Saramago começou tarde a sua tarefa de escritor. Estou convencido que não fazia desse facto grande exigência a outros embora em diversos momentos gostasse de o destacar. Prova que não exigia senioridade para escrita é o facto de não se lhe conhecer aversão ou antipatia à instituição, pela Fundação Círculo de Leitores em 1999, de um prémio literário com o seu nome e a atribuir a jovens com idade até aos 34 anos. Contudo, Saramago destaca que o conhecimento e a experiência são determinantes da comunicação necessária. Podia escolher vários momentos em que transmite tal ideia mas escolhi esta passagem, do seu discurso na Academia Sueca, (onde se retratava falando de si na terceira pessoa):

“Muito, muito tempo depois, o aprendiz (ele), já de cabelos brancos e um pouco mais sábio das suas próprias sabedorias, atreveu-se a escrever um romance para mostrar ao poeta das "Odes" alguma coisa do que era o espectáculo do mundo nesse ano de 1936 ..."

Pode ler na integra o discurso de Saramago no "Blog Oval"

ESCRITOR, A QUESTÃO DA IDEOLOGIA - Saramago foi um figura controversa. Não só por opções ideológicas, mas também e sobretudo por as ter assumido sob a forma de comprometimento politico com o Partido Comunista. Muitos não lho perdoam. Sobre esta questão não posso deixar de concordar com Saramago quando este desafia outros escritores a não se esconderem atrás da obra que produzam e quando reforça dizendo: "a literatura pode viver até de uma forma conflituosa com a ideologia. O que não pode é viver fora da ideologia."

AS NOVAS GERAÇÕES DE ESCRITORES - As duas questões, maturidade e ideologia, são abordadas num artigo publicado na IPSILON, sob o título "A morte de José Saramago é o fim simbólico de uma geração politicamente comprometida". Nele se tenta perceber como é que os novos escritores lidam com a ideologia e reporta testemunhos de quem considera poderem vir a ser os herdeiros do Nobel português: José Luís Peixoto; Valter Hugo Mãe; João Tordo ; Pedro Rosa Mendes ; Dulce Maria Cardoso. A autora, Raquel Ribeiro, comenta quase a finalizar "mais do que políticos apartidários, estes escritores são cépticos politizados" e termina, com a apreciação de um deles, Rosa Mendes, "A criação portuguesa é muito virada para si própria, onírica e introspectiva". Nesse sentido há "um défice de real", e a realidade torna-se "sempre aquilo que estamos a viver dela"...

A HERANÇA DE SARAMAGO - Se não fosse sabermos outras coisas, ficaria a impressão de Rosa Mendes como nossa. Contudo, Saramago deixou-nos uma indicação precisa, assim:

"A nova geração de romancistas portugueses, refiro-me aos que estão agora entre os 30 e os 40 anos de idade, tem em Gonçalo M. Tavares um dos seus expoentes mais qualificados e originais. Autor de uma obra surpreendentemente extensa, fruto, em grande parte, de um longo e minucioso trabalho fora das vistas do mundo, o autor de O Sr. Valéry, um pequeno livro que esteve durante muitos meses na minha mesa de cabeceira, irrompeu na cena literária portuguesa armado de uma imaginação totalmente incomum e rompendo todos os laços com os dados do imaginário corrente, além de ser dono de uma linguagem muito própria, em que a ousadia vai de braço dado com a vernaculidade, de tal maneira que não será exagero dizer, sem qualquer desprimor para os excelentes romancistas jovens de cujo talento desfrutamos actualmente, que na produção novelesca nacional há um antes e um depois de Gonçalo M. Tavares. Creio que é o melhor elogio que posso fazer-lhe. Vaticinei-lhe o prémio Nobel para daqui a trinta anos, ou mesmo antes, e penso que vou acertar. Só lamento não poder dar-lhe um abraço de felicitações quando isso suceder."

in Cadernos de Saramago/Gonçalo M. Tavares

Apostolaram esta semana:

"Blog Oval"; "Conversas Daqui e Dali"; "Ematejoca Azul" e "Só Te Peço 5 Minutos"

22 comentários:

  1. Confesso que nao conheco a nova geração de romancistas portugueses, ou pelo menos os que penso que gostaria de ler, onde posso informar-me acerca das suas obras?

    Estou correntemente a ler o elefante evapora-se he Murakami, simplesmente por ter encontrado uma recomendacao na net em relacção ao livro e escritor, coisa que nao encontro em relacção aos escritores portugueses de "nova geração

    Beijos
    Paula

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  2. Caríssimo amigo
    Encantou-me o texto de Saramago sobre as palavras. Ele era envolvente pela lúcidez com que escrevia e defendia seus pontos de vista.
    Então és daltônico? Que coisa ímpar. Bem tua cara, meu amigo. De qualquer modo, mesmo que entre azul e cinza fique a cor das rosas, são tuas, e por que não? O desafio era que as vissem e tu as vê. És avinagrado e daltônico, mas inteligente e muito bem humorado. Pior aqueles que não as conseguem ver nem que pisem nelas e, de qualquer forma, mesmo que as vissem, as enxergariam pretas como enxergam a vida.
    Gosto do teu jeito daltônico de ver a vida... rsrs
    Beijokas e uma linda semana para ti.

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  3. Querida Paula,

    Que bom "reve-la" por aqui...

    Mal seria que lhe desse conselhos tendenciosos, recomendando-lhe Gonçalo M. Tavares. Escolha entre os premiados, faça uma pequena pesquisa a partir deste site

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9mio_Liter%C3%A1rio_Jos%C3%A9_Saramago

    Beijo
    Beijo

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  4. Lua
    Minha Lua

    Acabas de me dar um insperado elogio. Na verdade esse texto, no cimo do meu post é meu e não de Saramago... Queria com ele dizer que as palavras que valem a pena serem ditas resultam de trabalho porque da alma pouco nos chega...

    Quanto ao meu daltonismo, foi uma liberdade poetica que usei para te dizer que tenho uma maneira pouco comum e porventura anormal de olhar a vida...

    Gostei destes enganos e desenganos tanto quanto gostei das flores bem vermelhas com que te vi.

    Beijos

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  5. Claude Chabrol conhecido como um feroz escalpelizador da burguesia, vinha como eu de uma família burguesa. Tal qual como o meu pai, o dele também era farmacêutico.

    Tenho a certeza que ele pretendeu denunciar as misérias do homem em geral, e não a classe burguesa em particular.

    Esta, muito sua, frase talvez o defina:

    'A inteligência tem limites mas a estupidez não...'

    Volto logo para comentar este post sobre o Saramago. No "ematejoca" publiquei uma frase dele sobre o comunismo.

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  6. E quantas palavras saem das nossas mãos ........?
    Que velocidade e alegria transportam...?
    Quantas dores e desgosto levam camuflado...?
    O arquitecto das boas palavras deverá te-las em seu coração.

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  7. "Mas, no fim de tudo, são as mãos as principais responsáveis pela existência das palavras dignas. Tudo o que o homem fez e faz, sai-lhe das mãos. As mãos são a génese da inteligência humana."

    Meu amigo, como é bom regressar aqui depois de um longo e saudoso intervalo e ler a sua brilhante introdução a este post.
    Confesso que ainda não li nenhum dos escritores mencionados, mas prometo ( e cumpro sempre as minhas promessas)que vão estar no topo das minhas escolhas literárias.
    Obrigada uma vez mais pelo seu carinho aos meus "5 minutos".
    Um beijinho grande
    ~Fê

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  8. Muito me apraz tomar contacto com estes textos de opinião. Tinha lido o artigo que refere na IPSILON, e confesso que muito me agradou esta sua abordagem à questão da ideologia.

    Obrigada!

    Obrigada ainda pelo comentário inspirado, nas minhas "searas"

    Cumprimentos

    L.B.

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  9. Ola!!
    Linda segunda pra nós.
    Vim conhecer seu espaço e ja sei que por ca ficarei
    passeando entre seus posts por
    um bom tempo.
    Vou adorar te-lo em
    meu blog...
    Bjins entre sonhos e delírios

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  10. Ah sim!Adorei esses selos...como faço para merece-los?

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  11. Conheço pouco dos escritores mais recentes, muito por culpa da net porque, antigamente, a única coisa que havia para preeencher os tempos livres era ler.
    A Juventude de hoje já não vê o livro como uma companhia, agora é a net.
    No fundo ganhou-se e perdeu-se, mas, pelo menos, tive a sorte de experimentar os dois mundos ;)

    Bjos

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  12. Ematejoca,

    'A inteligência tem limites mas a estupidez não...'

    Essa frase de Chabrol define-o, de facto. Da sua obra tenho um registo que posso comentar de forma Saramaguiana (tema da minha Homilia). É assim:

    'A inteligência utilizada sem ética tende a perpetuar a estupidez humana...'
    Isto Chabrol nunca diria, pois nunca terá falado sobre o homem, mas sim sobre a SUA burguesia...

    Vou ler esse seu post, claro!

    Beijo

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  13. Luis Coelho

    Palavras do coração
    São de sentimento
    e precisamos de reflexão
    de-me essas, cerebrais
    pois são das que precisamos mais
    mas não esqueça
    entregue-as com suas mãos

    Abraço

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  14. Meu querido passaro azul
    Há quanto tempo não pousava dos meus ramos?

    Veio repetir-me palavras minhas
    e é bom que o tenha feito
    lidas por si
    encontro o seu melhor sentido

    Um beijo, agradecido

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  15. Lidia,

    Não se agradece
    Aquilo que se merece

    (sua poesia é isso, poesia)

    Beijo

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  16. Alguém disse nunca é tarde para se começar qualquer coisa, e também à quem diga mais vale tarde do que nunca.
    O José Saramago é um bom exemplo disso, porque as palavras lhe saiam das mãos,da cabeça, e do coração, se calhar até da alma.

    Abraço.

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  17. Observando e Absorvendo

    Fique comigo. Pagar-lhe-ei da mesma moeda...

    Para merecer esse selo

    Observe
    Absorva
    Reserve
    e
    Sirva
    (é obrigatório acompanhar com palavra avinagrada
    para que a Deusa Thémis, ficar mais descansada)

    Até já

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  18. Isa,
    O meu post tem todo ele a ver com o que diz...
    Há quem escreva
    Haverá quem leia
    (aceito as regras do mercado, só não aceito ser comandado pela sua ditadura...)

    Beijo

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  19. Meu Caro José
    Nome de carpinteiro
    As palavras, como disse, surgem de todo o lado...
    Saramago também as faria com alma, se por alma entendermos tudo o que combata uma humanidade desalmada...

    Né?

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  20. Caro Rogério

    Como já escrevi no post de cima,queria dizer qualquer coisa aqui. Mas depois de acabar a leitura (sim porque andei a ler o post às prestações) que mais posso acrescentar ao que o meu caro escreveu e aos excelentes comentários.
    Pronto rendo-me, só lhe consigo dar os parabéns.
    Abraço

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  21. Voltei!
    Pra te seguir em outros endereços meus e
    Pere que vou aprender mais daqui e ate a noite comento...
    Bjins entre sonhos e delírios

    http://reflexodalma.blogspot.com(meu canto de poesia)
    http://meusreflexoscontostextoseafins.blogspot.com( meu blog vermelho,dizem ser de textos excitantes)

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  22. Amigo Rogério!

    Segui a pista e acabei por ler o que ainda não tinha lido, até os comentários.
    Interessantes, alguns!
    Ambíguos, outros!

    Dos novos escritores recentes, honestamente, conheço poucos.
    Ultimamente,tenho lido pouco! Muito pouco!!!
    Mea culpa... e da Net!!!

    Acabei Caim e voltei a Ayann Hirsi Ali e o seu Infidel.
    Quando acabar, voltarei aos autores portugueses e a minha querida Joanne Harris.

    Disseste tudo e eu aplaudo de pé. BRAVOOOOOOOOO!

    Beijinhos

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