24 setembro, 2010

Da minha janela - 2

Nem sempre as cores se impõem. Olho o horizonte ao longe e só este permanece válido. Não que as pessoas do meu bairro sejam a preto e branco mas porque um futuro cinzento as ameaça. A validade do horizonte é uma visão que me é imposta por uma ideia, inimaginável do que seja a net, a relação virtual de amigos e das palavras que passaram de caneta de aparo à esferográfica e desta ao teclado, em menos do que um bocado. Hoje escreve-se assim conversas daqui e dali. Hoje escreve-se também assim no livro da vida... Tudo evolui, penso. Mas é tão lenta a conquista da utopia...

Regresso à minha janela, para fumar e verifico como é fácil trazer de longe o Sol mascarado de Maria, ver na praceta cirandando a miudagem, sentir um bonito pássaro azul pousar-me no beiral, imaginar uma ave sem asas, ouvir uma folha seca cair. Sorrio, quando imagino alguém gritando perto do logradouro da frente, como um pregão antigo, perguntando se quero doce ou travessura . Com tudo isto vai entardecendo e o azul do céu aproxima-se do cinzento daquela rua que, insisto, ser um caminho por gostar de caminhantes e daquelas Teresas como havia dantes. Prestes a anoitecer, fixo ao longe o rio sem margens, onde uma seara de versos prova que o mar é arável... Bendito o rio que enche esse mar... O lusco-fusco torna mais difusas as formas. Um vulto felino de um gato pode ser tomado, neste meu bairro, por um puma ou por um ágil coelho. Aquela moradia que se avista à esquerda esconde a escola, seria necessário terrear para poder ver como os professores são vox nostra. Sei que horas são, olhando um relógio de pendulo no alto do campanário (embora seja herético, acreditem que esta igreja é assim). É tarde, reduzo a chama da nossa candeia e fecho a janela. Armado desse gesto, deixo um último olhar à Casa do Rau para ver se a luz está acesa. Está! Vejo isso pela janela dela. Vou descansar, amanhã é dia de voltar a olhar a minha paisagem de amigos....
Não fiquem de beiça caída aí por qualquer canto aqueles que não são visíveis. Só avisto da minha janela imagens "made in Portugal". Mas porque o mundo é oval, só outras janelas que me levam onde chegaram as caravelas... Quem disso me lembrou, tem um estranho nome: lolipop. Depois veio a África em poesia, reforçar a importância de me fazer ao mar. Não serei um mero turista, um turista acidental, irei promover a minha imagem luso-celta e deixar uma porta entreaberta. Um dia destes mostrarei essa minha outra janela.

18 comentários:

  1. Belas palavras querido, assim como a vista que as acompanham!

    bjs

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  2. Rogério amigo!

    A vista é linda apesar da mancha cinzenta.
    Volto para ver os dois posts, quero saber tudo direitinho.

    Daqui do Rau, nº6 não se avistam as águas do Minho, só vales e montes a campos de cultivo, pouco cultivados, cada vez menos...
    Oiço a água que corre aqui mesmo ao lado num rego protegido, onde ainda há trutas.
    Este ano quase secou!

    Sei que vais fazer uma exposição aqui do António, já lhe fiz notar o facto que lhe poderias avinagrar a exposição ;)))))

    Amigo, volta amanhã à noitinha.
    Vou à vindima do meu tio António,lá na quinta dos Santo Amaro (um dia conte-te a história), vai a família toda que aqui vive, somos muitos, é sempre uma festa!

    Beijos

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  3. Rogério,

    Li e gostei muito do texto e da ideia. Ao principio não entendi o porquê de tanto link, fora do sentido do texto. Depois percebi a ideia. Genial, digo-te. Colocar assim frente à tua janela todos os blogues que te comentam é uma bonita homenagem. Percebo que a seguir o faças aos brasileiros, africanos e outros. è isso, não é?

    Beijo e parabéns

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  4. Um texto diferente e muito na positiva. Gostava de olhar por essa janela e poder recolher tantas coisas assim sem vinagre. Tudo ao natural é sem dúvida mais gostoso.
    Um abraço desejando-te um céu de esperanças agradáveis neste fim de semana.

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  5. Rogério
    O que o meu caro consegue fazer com as palavras. parecido com isto só me lembro do Paulo Carvalho na Canção "10 Anos é muito tempo"

    Genial. Obrigado por me incluir neste lindo texto, cheio de sentido que certamente ficará para a história, que ao fim ao cabo estamos a construir.

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  6. Ainda dizem que tenho imaginação...
    Sinto-me honrado pela menção do meu blogue em espaço tão erudito.

    Bem haja,
    Bom fim de semana

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  7. Mas que grande janela, onde até consegue ouvir os pregões aqui em Lisboa ;)
    Um grande texto de união... de muitas janelas, algumas das quais, eu, da minha, ainda não conhecia ;)

    Bjos

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  8. Rogério,
    fantástico este seu texto. Consegue incluir tantos blogs, num texto tão bem escrito e tão poético. Que genealidade.
    Sinto-me muito honrada por fazer parte deste seu escrito.

    Um abraço :)

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  9. tão bela metáfora... obrigada por me incluir nela. sinto-me uma privilegiada.

    e por falar em janelas, deixo-lhe aqui, um miminho de cecília meiréles. espero que goste...

    "Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.

    Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.

    Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

    Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

    Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim".

    beijinho terno...

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  10. Inspirado como sempre. Felizmente também tenho uma janela, de onde vejo esta "casa" do meu amigo sempre de porta aberta para quem quiser entrar...

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  11. Quando a imaginação se liberta e com ela traz a arte de fazer das palavras parapeitos de janelas, aqui as deixando,não trancadas, para quem as quiser abrir!
    Obrigado por ter aqui colocado a da minha modesta cubata.
    Abraço
    --
    PS - Não tenho conseguido colocar o comentário. Vamos ver se é desta.

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  12. Que texto inspirado Rogério. E que contente fico pela minha pobre tabanca constar do seu alegre cirandar...

    Um beijinho

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  13. Caro Rogério peço desculpa de mais uma vez comentar no seu blogue, sem a sua permição, mas perante o que acabo de ver, e ler, não resisti... Muito bonito... Parabéns

    Bem haja...
    Bom fim de semana

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  14. Olá amigo
    Da sua janela , passa-se quase um filme. Adorei o texto.
    Um abraço

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  15. Aqui estou eu
    Um nome estranho
    A assinar um comentário
    ...tardio?
    Ná. Os últimos são sempre os primeiros, não é o que se diz?
    Hoje perdi as janelas da vida,
    a caiar a minha janela virtual.
    Se eu sabia, tinha-lhe pedido para
    me deixar debruçar na sua janela.
    Emprestava-me os seus olhos
    enquanto misturávamos o fumo dos cigarros.
    BEIJOS

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  16. Só peço lhe 5 minutos
    de conversa avinagrada
    mas com este belo texto
    ela é açucarada ;-)

    Obrigada e um excelente domingo .
    Beijinhosdismi do pássaro azul ;-)

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  17. Que texto tão querido! Oh, que forma bonita de mostrar os outros. Claro que gostei de lá constar. Oh Oh, se gostei! Parabéns.

    :))))

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  18. Amigo Rogério!

    A luz está sempre acesa Na casa do Rau e a porta aberta para os amigos.

    Este sim, foi um gesto lindo de alguém que eu sei ser AMIGO.
    Obrigada!

    Atrasada, mas cá cheguei.

    Desculpa, mas li que fumas! Por favor para. Eu consegui há 12 anos.

    Beijinhos

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