Do avião, vistas de cima, as águas tomaram a cor da pele daqueles a quem lhes encharcava os haveres, impiedosamente, tomando como sua toda a terra boa. Os cultivos e os animais ter-se-ão perdido, deles restando sabe-se lá o quê de coisas a enterrar. Tem sido assim em anos consecutivos. Foi assim o que vi, voando para o Soio cerca de oito meses depois de lá ter estado, na Hidroeléctrica de Cahora Bassa num trabalho que já comentei ter sido profissionalmente gratificante... Na estadia anterior tinha, além de desenhado novos processos, definido requisitos para a sua informatização. Vinha agora, numa curta estadia de 4 dias, verificar a conformidade funcional do sistema.
As imagens de gentes sofrendo depressa foi substituída pela pressão da minha missão. Correu bem o meu trabalho e no prazo apertado que me fora concedido consegui escrever um pequeno relatório com as inconformidades detectadas e instruções para a sua correcção. O director responsável, estava visivelmente satisfeito com o resultado final do trabalho. Convidou-me para jantar em sua casa, convite esse que aceitei, planeando secretamente nesse jantar colocar-lhe mil perguntas. No dia combinado, a caminho da casa do meu simpático anfitrião, ia passado em revista algumas das questões a pôr: Como estaria a economia, sequelas da prolongada guerra, operacionalidade dos portos e dos caminhos de ferro moçambicanos, para quando as comunicações móveis alargadas a todo o território, a agricultura e o impacto das cheias e ciclones... Com estas ideias fui me aproximando da residência, localizada numa das zonas mais arborizadas e bonitas do Soio. Ao meu encontro veio primeiro a boxer, a sua cadela brincalhona que me reconheceu oferecendo-me festivos latidos reclamantes de festas (nessa noite estava visivelmente bem disposta pois, contrariamente a um hábito inexplicável, não tinha comido nenhum sapo. Apareceu de seguida um empregado e logo depois o dono da casa que me cumprimentou efusivamente, juntando-se a nós a sua mulher e as duas crianças, filhos do casal. Seguiram-se palavras de circunstancia, falando em conversa solta e agradável sobre um monte de coisas pessoais e perspectivas, com a já prevista deslocação para o Maputo, como aliás iria acontecer com todos os serviços administrativos da empresa. Não toquei num só dos pontos agendados por mim e fiz mal. O jantar, um divinal caril de caranguejo, encostou-me às boxes. Não habituado ao gindungo, suei, enranhozei e as lágrimas corriam-se sem qualquer comoção a justificar tal choro. Passado o primeiro impacto e perante a minha insistência continuei a comer, não voltei as costas à luta e devorei o meu prato. Contudo, este pequeno incidente gastronómico fez com que todas as perguntas ficassem por fazer. Já de regresso, no avião, ia pensando que as respostas não poderiam ser positivas e que Moçambique era em 2001 um país esquecido por Deus... Sobre as imagens das cheias, lá do alto, nada era perceptível. Em quatro dias as águas tinham retomado os leitos dos rios e a lama não se via nem quem nela lutava pela sobrevivência.
Sobre a agricultura e o uso das terras boas, só há dias tive a resposta, quase 10 anos depois, nesta noticia do DN: "há tendência de desinvestimento na agricultura tradicional e aposta de grupos internacionais em cereais usados no domínio energético. A Galp tem lá projectos, assim como os chineses e os sul-africanos. Solos de primeira qualidade agrícola estão a ser usados dessa forma". Talvez isto seja parte da explicação do que se passou no Maputo. Essa poderá ser uma das causas desse efeito, mas haverá outras...
As imagens de gentes sofrendo depressa foi substituída pela pressão da minha missão. Correu bem o meu trabalho e no prazo apertado que me fora concedido consegui escrever um pequeno relatório com as inconformidades detectadas e instruções para a sua correcção. O director responsável, estava visivelmente satisfeito com o resultado final do trabalho. Convidou-me para jantar em sua casa, convite esse que aceitei, planeando secretamente nesse jantar colocar-lhe mil perguntas. No dia combinado, a caminho da casa do meu simpático anfitrião, ia passado em revista algumas das questões a pôr: Como estaria a economia, sequelas da prolongada guerra, operacionalidade dos portos e dos caminhos de ferro moçambicanos, para quando as comunicações móveis alargadas a todo o território, a agricultura e o impacto das cheias e ciclones... Com estas ideias fui me aproximando da residência, localizada numa das zonas mais arborizadas e bonitas do Soio. Ao meu encontro veio primeiro a boxer, a sua cadela brincalhona que me reconheceu oferecendo-me festivos latidos reclamantes de festas (nessa noite estava visivelmente bem disposta pois, contrariamente a um hábito inexplicável, não tinha comido nenhum sapo. Apareceu de seguida um empregado e logo depois o dono da casa que me cumprimentou efusivamente, juntando-se a nós a sua mulher e as duas crianças, filhos do casal. Seguiram-se palavras de circunstancia, falando em conversa solta e agradável sobre um monte de coisas pessoais e perspectivas, com a já prevista deslocação para o Maputo, como aliás iria acontecer com todos os serviços administrativos da empresa. Não toquei num só dos pontos agendados por mim e fiz mal. O jantar, um divinal caril de caranguejo, encostou-me às boxes. Não habituado ao gindungo, suei, enranhozei e as lágrimas corriam-se sem qualquer comoção a justificar tal choro. Passado o primeiro impacto e perante a minha insistência continuei a comer, não voltei as costas à luta e devorei o meu prato. Contudo, este pequeno incidente gastronómico fez com que todas as perguntas ficassem por fazer. Já de regresso, no avião, ia pensando que as respostas não poderiam ser positivas e que Moçambique era em 2001 um país esquecido por Deus... Sobre as imagens das cheias, lá do alto, nada era perceptível. Em quatro dias as águas tinham retomado os leitos dos rios e a lama não se via nem quem nela lutava pela sobrevivência.
Sobre a agricultura e o uso das terras boas, só há dias tive a resposta, quase 10 anos depois, nesta noticia do DN: "há tendência de desinvestimento na agricultura tradicional e aposta de grupos internacionais em cereais usados no domínio energético. A Galp tem lá projectos, assim como os chineses e os sul-africanos. Solos de primeira qualidade agrícola estão a ser usados dessa forma". Talvez isto seja parte da explicação do que se passou no Maputo. Essa poderá ser uma das causas desse efeito, mas haverá outras...
CONTINUA
Falar assim de África só pode mesmo ser feito por quem lá viveu e sentiu as suas gentes e aquele cheiro da terra vermelha.
ResponderEliminarUma forma de escrever atraente.
Rogério,
ResponderEliminarNão sei se este não será o melhor texto que já escreveu. É verdade, essas águas são da minha cor e a gasolina europeia poderá estar na origem da carestia de produtos agriculas. Vou continuar a ler este seu tema até porque o sinto como meu.
Beijos
O aumento do pão e dos bens essenciais, para quem tem ordenados que rondam os 50€, não admira os recentes problemas em Moçambique.
ResponderEliminarMas se cá, não se produz e o dinheiro vai indo para onde não deve, por lá nem devemos conseguir imaginar estes problemas elevados aos extremos e com um nível de pobreza assustador, sem outra razão que não sejam os interesses alheios ao bem estar do povo... pobre povo moçambicano.
Bjos
Um dia deste vi o Professor Marcelo Rebelo de Sousa a dizer. " estava para ir a Moçambique nestes dias, mas o país está de greve." Deu que pensar...
ResponderEliminarOlá Rogério!
ResponderEliminarHoje passo porque li um post de que tenho a certeza de que vai gostar. Lembra-se da Pasárgada do Manuel Bandeira? Dê uma olhadela...
http://marliborges.blogspot.com/2010/09/pasargada-ontem-e-hoje.html
Oi Rogério... Excelente esse seu trabalho. Para mim essa foi a forma que Deus encontrou de chamar a atenção do mundo para esse povo tão esquecido.
ResponderEliminar********************************
Agora a minha tréplica pra ti:
Quero teu olhar
Este que me falta
Com ele tu pintastes
minha manhã e os meus dias
Colorido está o céu
Contigo, amor não meu falta
O que vejo agora
é sincronia de cores como arco-íris
Sinto a luz na tela de tua alma
Reflexo de amor em mim
Com o espelho trazido de ti.
Acredito que depois de um caril de caranguejo comme il faut, é difícil fazer perguntas...:))
ResponderEliminarFelizmente o governo está a recuar e parece que vai descer novamente os preços dos bens essenciais. Mas a questão principal mantém-se e isso é que é o problema...
Abraço
Viva!
ResponderEliminarInfelizmente, nunca estive nem em Angola nem em Moçambique.
Parece-me que as preocupações ecológicas só acabam por beneficiar os países desenvolvidos e arrasar ainda mais os que nunca se desenvolverão ... a ir por estas vias.
Boa noite.
Tanto que gostaria de acrescentar alguma coisa aos vossos comentários, desculpem-me por não o fazer. Opto por ir a Vs. casas deixar alguns contributos, como aliás costumo fazer e.... e o tempo não chega para tudo, né?
ResponderEliminarAmigo Rogério!
ResponderEliminarEstive cá...deixo a marca!
Um destes dias digo-te o que penso.
Nunca estive lá, aliás África só o Out of Africa ...
mas tenho lá alguém muito próximo... há muitos anos. Lá em Moçambique e sobrinha em Angola.
Bjs.
Ná