Cap II - Por terras de Angola
Afinal o destino estava para além de Maquela(*)
13 – Maquela do Zombo – Chegámos. A coluna militar atravessou lentamente a vila. A viagem durara pouco mais que 7 horas até ai chegar e dirigiu-se ao quartel, sede do batalhão, passando por entre sorrisos e acenos da população que apareceu nas ruas da vila. Minha Alma respondia, eu não. Pessoas brancas trajando civilmente e alguns militares distribuíam-se pelas entradas de edifícios cujo uso não residencial se percebia pela fachada e pelos anúncios pintados, uns nas frontarias outros em tabuletas improvisadas. Muitas mulheres pretas coloriam as ruas vestidas de cores garridas, parecendo terem sido postas ali com a missão de nos receber com uma alegria obrigada ou postiça. Minha Alma surpreendia-se, eu não. O casario de piso térreo e os arruamentos, cuja disposição não descortinei, engalanavam-se de verde em contraste com os tons levemente avermelhados da terra, lembrando a terra sena (ou terra de siena?), cor dominante das picadas que nos conduziram até lá. Palmeiras e mangueiras dispunham-se ordenadas para dar um ar mais gracioso àquela paisagem quase urbana. Minha Alma gabava aquela beleza meio inóspita, eu permanecia calado. Todos os nossos olhos, até os do Meu Contrário, pousaram no estabelecimento Socosol e logo a seguir, muito perto, no Bar Zombo, onde uma pequena multidão também acenou. Aí não resisti e fui acenando também à medida que me dava conta de que a verdadeira festa à nossa chegada pertencia à criançada. Às dezenas e meio vestidas, as crianças corriam ao lado da coluna, perante o ar meio receoso das mulheres, pois a proximidade das viaturas certamente as fazia temer pela sua segurança. O Meu Contrário, sempre tão racional, não sabia explicar como uma encenação assim podia incutir a tranquilidade que Minha Alma sentia. Nenhum de nós encontrou explicação para o sentimento de insegurança que Minha Alma detectou naquela gente. Os zombos pareciam mais receosos do que nós, recém-chegados. Talvez que nós, sem referencias prévias, estivéssemos à espera de sermos recebidos a tiro ou à catanada. Mas não. Apesar de um histórico de rebelião(*), os zombos mostravam-se pacíficos e, assim, não foi nada disso que aconteceu. Gostei de Maquela mas não iríamos ficar nela, para desespero da Minha Alma e a aparente indiferença do Meu Contrário…
14 – Mais pó da picada – Após uma curta paragem, a coluna prosseguiu viagem, agora já sem os carros civis que traziam mantimentos para toda a população. À saída de Maquela, uma placa indicava vários destinos em duas direcções. Seguimos a que referia a fronteira com o Congo, direitos à Kimbata. Poucos não sabiam que o destino final era a Fazenda Costa, a cerca de 35 km de Maquela, antiga roça de café, que a guerra se encarregara de transformar em acampamento militar. Era onde iríamos ficar. Pelo caminho, passámos por 3 sanzalas e muitos grupos de negros deslocando-se, recolhendo de um dia de trabalho nas lavras, seu único meio de sustento. À nossa aproximação embrenhavam-se capim dentro, prosseguindo a uns 15 ou 20 metros. Minha Alma interrogou-me mas só muitos dias depois, quando soube, lhe disse que era costume, em tempos idos, os veículos militares irromperem em sua direcção, passando por cima dos menos lestos e desprevenidos. Minha Alma nem queria acreditar. O Meu Contrário, não aceitou tal explicação e disse, ainda que pouco convictamente: “Fogem do pó da picada, não da maldade dos homens”…
15 – “Olha a nossa salvação!” – Passado um declive muito acentuado, a coluna subiu uma ravina pouco inclinada mas longa e avistou o aquartelamento. Logo a seguir, mais de uma centena se soldados vieram ao nosso encontro gritando coisas diversas. Fixei apenas uma exclamação: “Olha a nossa salvação!”. E éramos. Vínhamos render aquela gente e por isso estavam tão felizes. No céu, para onde olhei inadvertidamente, talvez para perceber de que lado estava Deus, se com a satisfação dos que iam regressar se com a tristeza dos que acabavam de chegar, apenas vi uma tonalidade avermelhada e calma do sol a partir. Era uma tonalidade tão bela que só poderia ser obra de mulher a afastar o sol no horizonte. Chamei àquela luminusidade serena, Maria do Sol e ela antes de a estrelada noite aparecer, pareceu-me ter dito “Rogério, amanhã ele voltará, para te alegrar a Alma”…
14 – Mais pó da picada – Após uma curta paragem, a coluna prosseguiu viagem, agora já sem os carros civis que traziam mantimentos para toda a população. À saída de Maquela, uma placa indicava vários destinos em duas direcções. Seguimos a que referia a fronteira com o Congo, direitos à Kimbata. Poucos não sabiam que o destino final era a Fazenda Costa, a cerca de 35 km de Maquela, antiga roça de café, que a guerra se encarregara de transformar em acampamento militar. Era onde iríamos ficar. Pelo caminho, passámos por 3 sanzalas e muitos grupos de negros deslocando-se, recolhendo de um dia de trabalho nas lavras, seu único meio de sustento. À nossa aproximação embrenhavam-se capim dentro, prosseguindo a uns 15 ou 20 metros. Minha Alma interrogou-me mas só muitos dias depois, quando soube, lhe disse que era costume, em tempos idos, os veículos militares irromperem em sua direcção, passando por cima dos menos lestos e desprevenidos. Minha Alma nem queria acreditar. O Meu Contrário, não aceitou tal explicação e disse, ainda que pouco convictamente: “Fogem do pó da picada, não da maldade dos homens”…
15 – “Olha a nossa salvação!” – Passado um declive muito acentuado, a coluna subiu uma ravina pouco inclinada mas longa e avistou o aquartelamento. Logo a seguir, mais de uma centena se soldados vieram ao nosso encontro gritando coisas diversas. Fixei apenas uma exclamação: “Olha a nossa salvação!”. E éramos. Vínhamos render aquela gente e por isso estavam tão felizes. No céu, para onde olhei inadvertidamente, talvez para perceber de que lado estava Deus, se com a satisfação dos que iam regressar se com a tristeza dos que acabavam de chegar, apenas vi uma tonalidade avermelhada e calma do sol a partir. Era uma tonalidade tão bela que só poderia ser obra de mulher a afastar o sol no horizonte. Chamei àquela luminusidade serena, Maria do Sol e ela antes de a estrelada noite aparecer, pareceu-me ter dito “Rogério, amanhã ele voltará, para te alegrar a Alma”…
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(*) Este sub-capitulo é exclusivamente dedicado a contextualização geográfica do meu caminho pelo norte de Angola, os personagens passaram aqui para segundo plano. Retomarão já a seguir o papel que lhes reservei neste meu caminhar.
(**) Tivesse este livro preocupações históricas e eu não deixaria de citar o trabalho "Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência", do Professor Doutor José Carlos de Oliveira, publicado na "Revista Militar" e a que podem aceder aqui: (I Parte); (II Parte); (III Parte)
Maria do Sol? :))))
ResponderEliminarOlá Rogério
ResponderEliminarsua narrativa é tão fantástica, que a gente viaja com você. Parabéns.
Abração
MdSol
ResponderEliminarSim, Maria do Sol! Aquela luminosidade qque fica anunciando que no dia seguinte o sol vai aparecer, quente... por vezes bom, outras inclemente...
Wanderley
Acho que tambem sinto a sua companhia enquanto viajo...
Matei a saudade de ti durante a viagem que fiz por esse espaço tão belo !!!
ResponderEliminarTenha uma excelente semana
Bjs
Caro Rogério
ResponderEliminarÉ fascinante como consegue transmitir um mundo de emoções.
Beijinho
Amnigo Rogério:
ResponderEliminarPodia destacar qualquer frase ou palavra deste sua (nossa) viagem, mas esta:
“Fogem do pó da picada, não da maldade dos homens”…
Prendeu-me, e emocionou-me completamente.
Mas a beleza profunda da "Maria do Sol" acalmou também a minha alma.
Fico à espera de novo desenrolar ;-)
Beijinhos
Caro Rogério
ResponderEliminarNão deixo passar nem uma virgula, dos seus textos. Mas isto de ler a prestaçãos não dá. Fica para mais logo. Alguem tem que trabalhar Neh?
Abraço
Na tua narrativa dá para sentir o pó da picada, os odores das sanzalas...
ResponderEliminarA zona por onde andei, Mucaba, Negage, Carmona é igual ao que tão bem descreves. Parabéns!
Agradeço a tua referência aos meus quadros...
...ilustrados magistralmente pelas tuas palavras!
Abraço,
António
Ontem não pude cá vir... mas hoje não falhava... nem que nevasse.
ResponderEliminarPorque... sou curiosa e... fico à espera de mais.
Bjos
Aí está bem clara como era a colonização portuguesa: tão déspota como todas as outras. Ainda bem que o refere.
ResponderEliminarTudo de bom.
"No céu, para onde olhei inadvertidamente, talvez para perceber de que lado estava Deus, se com a satisfação dos que iam regressar se com a tristeza dos que acabavam de chegar"...
ResponderEliminarMuito expressivo, Rogério, gostei!!
:))
Rogério
ResponderEliminarApesar de ter escapado à tangente dum percurso identico a esse e no meu caso não passaria de um soldado "raso" não consigo ler os "caminhos do seu navegar" sem me abstrair de estórias da guerra colonial que foi ouvindo e lendo. Confesso-lhe que nunca li nada que um qualquer autor publicasse que descrevesse uma "viagem" duma forma tão apaixonante e me agarrasse tanto a ela.
Abraço
Caro Rogério,
ResponderEliminarA escrita do seu livro está a tornar-se cativante!
Não nos deixa perder um único passo do que descreve. Utilizando, como raramente tenho visto,recursos on line,remete-nos para ilustrações que mais cor e data dão às suas palavras. Mas, não só. Também nos encaminha para leituras como o mimo que é "Terra de Siena Molhada", de Saramago,e o importante trabalho de Ferreira Costa, já meu conhecido.
Como se não bastasse, o Rogério foi mais longe. Criou uma figura (Maria do Sol)porque logo me encantei. Fez-me lembrar, de imediato, Belimunda, que não era de Sol, mas sete-luas.
Com que mais nos irá, agradavelmente, surpreender?!
Um abraço
--
PS - Se a memória não anda para aqui a trocar-me as voltas, penso que à entrada de Maquela, do lado esquerdo,havia uma vivenda onde estava instalada a sede da PIDE/DGS. Estarei certo?
Volto para para mais umas palavras, que ficaram em mim esquecidas:
ResponderEliminarDeus não estava, nem nunca esteve...
Abraço
Isto hoje...
ResponderEliminarUma troca: onde escrevi Ferreira Costa devia ter sido dito José Carlos Oliveira. Ferreira Costa, já não entre nós, foi jornalista angolano que também escreveu sobre a história de Angola.
Peço que perdoe o meu erro.
Caros Amigos,
ResponderEliminarenquanto vos tiver por perto não irei desistir. è um trabalho onde não me violento em recordações pois a memória vive em mim independentemente de a escrever...
Caro Carlos Albuquerque, uma palavra em particular para si apenas pelo facto de entrar no detalhe na sua apreciação. Este "Caminhos do Meu Navegar" está a ajudar-me a perceber melhor comportamentos e situações a que na altura em que os vivi estava longe de os interpretar. Tentarei que as palavras não traiam os acontecimentos distorcendo o seu significado.
Obrigado pelo(s) comentário(s)
Sem queixas, sem dor, sem exaltação de maior, para além de uma "Maria do Sol" que, de repente, desarma...
ResponderEliminarUm beijo
Cartas de amor "ridículas"?!... Não sei, não.
Rogério: mdsol é mariadosol escrito com preguiça eh eh Ah pois!
ResponderEliminarCarlos Albuquerque
ResponderEliminarEsqueci de confirmar que o edificio que refere era efectivamente o da PIDE/DGS.
Lidia,
Cartas de amor, que não público
não que tal me exponha ao ridiculo,
mas porque me são intimas...
MdSol,
eu posso escolher os personagens e escrever o seu nome sem qqualquer preguiça...
E cá continuo a passear consigo, por essa viagem e essas recordações que empolgam e cativam.
ResponderEliminarRogério,
ResponderEliminarGostei demais do que escreveu lá no meu PBI. Postei aquele texto por conta de inúmeras crianças que estou vendo sem controle nenhum na frente do computador. O que me preocupa muitíssimo. Porque nós, a nossa geração, já aprendeu a usar. Já aprendeu a não ter, aliás. E posteriormente a usar. Uma geração intermediária, jovens de 15 a 30 anos, também aprenderam, aos trancos e barrancos mas aprenderam. E as crianças, que hoje têm 4, 5, 6 anos? Que as mães (pais também) as deixam à frente de um computador para ter sossego? Me diz.
Me preocupo com essa geração que cresce presa a botões, controles, teclas, sites, tecnologia demais, a meu ver.
Cadê os pés de fruta? Cadê os jogos de rua? Não sei.
Beijos, caríssimo
Carla
Nessa altura a situação em Angola estava bastante "pacificada".Costa Gomes explica a sua estratégia com relativo exito, mas advertia que a "paz" era temporária.
ResponderEliminarEnquanto Rogério seguia para a zona dos Zombos, eu seguia para Leste.Duas regiões consideradas muito perigosas algum tempo antes.
A minha companhia de "maçaricos" foi recebida com grande alegria pela dos "veteranos".Foi então que me apareceu um soldado "velhinho" que dizia conhecer-me.Levou-me à caserna e retirou do baú um lenço que foi desenrolando até ficar à vista a orelha ressequida de um homem, que ele orgulhosamente trazia como recordação.Enquanto eu, claro, vomitava horrorizado.
O regresso ao passado nem sempre è fácil meu caro...
Rogério,
ResponderEliminarO comentário anterior é meu e foi enviado por lapso como anónimo.
Espero continuar a seguir a sua viagem e acrescentar algo da minha.
Carlos,
ResponderEliminarnão sei se há muitos(as) a seguir o "...Meu Navegar". Mas saber que está por aqui ajuda-me a continuar...
Carla
esse comentário é doutro filme...
Mas apareça. Gosto de si!
João,
Usa a linguagem certa. Boa critica.
Indirecta.
(não conto o itenerário desses horrores,
mas dos temores
e outra sensações
que ficaram em muitos corações...)
Rogério...
ResponderEliminarFoi bom poder dar-te o selo das 80.000 visitas..
Este número só existe porque existes...tu.
Um beijo
E continuo a ler-te quero o livro... é do meu Kimbo...eu sou menina do mato...
Uíge o meu Amor...
O Sporting também. mas no meu livro tenho um poema aos...lampiões...
onde tenho grandes amigos...
para ti um beijo verde
Só agora tive opurtunidade de conhecer o seu blog.
ResponderEliminarEstou maravilhado com a sua sublime maneira de escrever.
Tomara eu conseguir exprimir-me deste modo tão eloquente, na historia que tambem estou a escrever e que agradeço que visite.
Manuel Aldeias
Lili, cara menina do mato,
ResponderEliminarSabia que não faria descriminação. De qualquer forma o meu benfiquismo é de "trazer por casa"...
Beijo para si e para o seu amor Uije
Manuel Aldeias,
Vou visitá-lo de seguida e obrigado pelo elogio, que farei por continuar a merecer...
Abraço
Assim como Marias ou como a luz e o calor solares, a África fica agregada em ti, no teu contrário e na tua alma.
ResponderEliminarPara sempre sacralizando teu sacrifício e teu sacro - ofício.
No céu, para onde olhei inadvertidamente, talvez para perceber de que lado estava Deus...
ResponderEliminarNunca vou me cansar de repetir... suas palavras são maravilhosamente comoventes, emoção pura.
Beijos
Ps: Desculpe-me a ignorância, já que pelo jeito todos já sabem, mas porque vocês foram pra lá?
b de Barbara,
ResponderEliminara verdadeira Senhora do Mar,
tras-me palavras de embalar. Que bom ir dormir depois de isto ler (ou será ouvir?)
Cara Salete,
esta pergunta faz todo o sentido vinda do outro lado deste nosso Atlantico. Em páginas anteriores utilizei várias expressões mas não aparece, de facto, a descrição do conflito a que chamamos a Guerra Colonial. Na 6ª feira, farei tal descrição para sua melhor compreensão. Vale?
Beijo grande
a maneira como as crianças vos receberam, em tons de festa, comove-e. tão pouco, elas sabiam para o que vieram... ou será que sabiam? as crianças têm uma forma tão diferente de lidar com a realidade...
ResponderEliminar[belíssima descrição... continuo a acreditar que daria uma excelente publicação...]
um abraço terno...
quello che stavo cercando, grazie
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