"- Os animais selvagens são capazes de nos engolir com um apetite manso, um apetite tranquilo.- Eles são selvagens e cruéis de uma forma natural. Sem esforço.- Praticam a crueldade como quem pratica fitness ao domingo. São maus e cruéis para manter a forma, para não ganhar barriga... para não se aburguesarem, no fundo. A crueldade animalesca como actividade de lazer. (...)"
O miúdo fez como já tinha feito, beijou repetidamente o rafeiro... |
A esplanada parecia a minha casa. Parecia o dia de festa, o dia do meu aniversário em que apareceram todos. Agora, como lá, trocavam-se cumprimentos, sorrisos, beijos e comentários: "Foi tão bonito...", "Tem uma linda casa...", "Não suponha que tinha tantos amigos...", "São profundos os seus escritos...", "É comuna?"
Eu era, assim, o alvo de todas as atenções, perante o ar enciumado do senhor engenheiro e o olhar (que parecia) divertido do seu cão rafeiro. Entretanto foram-se acalmando, a Teresa estendeu o Expresso sobre a mesa e a Gaby ia mostrando à Ana as cenas que perderam, do final da "Casa dos Segredos". Ninguém falava na ausência da Rita, até que esta apareceu. Trazia pela mão o filho e este logo a largou e correu direito a mim. "Give me five", disse levantando a mão, enquanto com a outra afagava o cão rafeiro e com um sorriso cumprimentava o engenheiro. Quando bateu na minha mão, com força, teatralizei um esgar de dor...
- "Está terrível de aturar, a avó estraga-o com mimos..."
- "É natural, é avó..."
- "É demais... desde que lá estamos em casa..."
- "Agora estás em casa dos teus pais?, e o teu marido?"
- "Separei-me... a vida estava insuportável... Além de, como sabem, ele me bater, agora não dava nenhum dinheiro em casa... o ordenado mínimo mal lhe chegava e o pouco que lhe sobrava nem sei o que dele fazia... tinha de acontecer, mais dia menos dia"
Fez-se um silêncio, aquele que é próprio quando todos não sabem bem o que dizer. E foi ainda a Rita quem o veio quebrar, voltado a falar:
- "Às vezes penso que o amor dele se converteu em raiva por não se julgar útil... por não poder ajudar..."
Voltou o silêncio e o nosso foi como se déssemos, à sua conclusão, o nosso consentimento.
- "Este coiso está tão manso..." e apontava, no jornal, a foto de Cavaco, "nem parece o mesmo que disse o que disse... agora começo a atar as pontas e a encontrar sentido no que disse o Seguro e hoje o Balsemão..."
- "E que disse o Balsemão?"
- "Esse sabe-a toda... tranquilamente vamos ser abocanhados pelos mesmos de sempre, estamos entregues aos bichos!"
O diálogo tinha ocorrido sem intervir nele. Não era necessário. Levantei-me e despedi-me lembrando a data. "Bom Dia de Reis", responderam todos... e o miúdo veio-me dar um aperto de mão, comprovando que a mãe não tinha razão. Era um miúdo calmo.
Mas quando é que essa geração se levanta de vez!?
ResponderEliminarTalvez o miúdo...
Abraço
ResponderEliminarHá sempre uns sabedores das coisas encobertas que vêm levantar o pó...
Beijinho
Laura
E a ligação lá permitiu, algures, entre a décima e a vigésima tentativa... mas, agora em relação ao bloco central, será que "eles" têm a inocência do animal selvagem que, mesmo contrariando o Gonçalo M. Tavares, desfaz as suas vítimas apenas para saciar uma fome genuína e muito biológica?
ResponderEliminarTenho comigo o Jesusalém e ainda não consegui tempo para o ler... porque me conheço bem, sabes? Se me deixo apaixonar, não largo enquanto não acabar... e repetir, repetir, repetir até o sentir despojado de toda a surpresa...
Abraço!
E assim devagarinho e com calma vamos sendo devorados :(
ResponderEliminarbeijinho e boa semana
Vês, Fê Blue Bird? Alguns de nós mostraram ser bem indigestos... mostremo-nos cada vez mais indigestos! Tão indigestos que possamos provocar, no desgoverno, a atitude do reflexo condicionado... por enquanto, digo eu... querem-nos receosos? Pois atentem que também sabemos e podemos provocar algum medinho quando nos não tratam com o devido respeito...
ResponderEliminarSentados, calados e mansamente devorados...é como está esta geração...
ResponderEliminarBoa semana, meu amigo.
Mas quando é que o Rogério aproveita o ensejo da plateia ociosa e apática da esplanada, se levanta, pede a palavra e faz um daqueles seus discursos de fazer mexer a manada?
ResponderEliminarQue raio, isto de só lhe perguntarem se é comuna e afirmarem que são belos e profundos os seus escritos, não altera nada. Há que mudar as atitudes e as mentalidades, my brother...
Ir para a esplanada para ser devorada, não conte comigo, Rogério!
Beijo.
Cozinhados... Faço minhas as palavras da Fê.
ResponderEliminarA foto está uma delícia! Valham-nos as crianças e os animais!
Boa semana.
Janita,
ResponderEliminarHá no meu texto um comportamento alterado. O JRD deu por isso... temos que ter paciência e saber esperar. Isto vai durar a mudar...
(e não muda com discursos)
Olá, Rogério
ResponderEliminarTive pena de faltar à festa, mas só ontem regressei a Lisboa e não pude comparecer. De qualquer modo, aqui ficam os meus parabéns atrasados.
Quanto ao resto, parece que os tugas estão a gostar. Pelo menos é o que depreendo da sondagem hoje publicada. Apesar de a credibilidade ser quase nula, não deixa de ser espantoso...
A partir de amanhã. completdas as visitas aos amigos e vizinhos, volto à normalidade.
Abraço